sábado, 29 de janeiro de 2011

PARTE II - QUAL O CONSELHO QUE O SENHOR DARIA A UM ESCRITOR QUE ALMEJA CHEGAR A ACADEMIA DE LETRAS?

O CARA TAVA MORANDO EM OUTRO LUGAR. Na Europa. Dava aulas de literatura em Soborne. Havia escapado do covil dos porcos. Era agora celebrado. Bem merecido. Também gosto do que escreve. Olhei. O lugar já estava abarrotado de gente. Professores, alunos, doutores, leitores, a nata letrada de Manaus. Ou quase. Desconfio dessa gente. Me acomodei por ali no meio deles. Já começava a ficar irritado com tanta formalidade antes do cara começar a falar. Há poucos minutos ficava o Bar Castelinho e eu já começava a ficar com sede. Aí chamaram um poeta chato para declamar um poema longo e chato. Depois de declamar seu poema longo e chato o poeta ficou ali de bla bla blá nostálgico. Aquela gente toda ria e aplaudia. Estavam gostando daquilo, é claro. Eu não. Ficava ali olhando pra aquilo. Como se não bastasse, alguém começou a tocar no violão a porra do Porto de Lenha. Eles chamam por aqui de hino da terra. Se orgulham disso. Não aguento mais ouvir Porto de Lenha. Dia desses comentei sobre isso num encontro literário e alguém disse que eu não tenho amor pelas coisas da terra. É, acho que não tenho mesmo. Foda-se.
Foi então a vez de uma mulher alta e branca, com colares indígenas espalhados pelo pescoço e uma saia indiana – sentada bem ao ladinho do escritor celebrado - começar a falar por quase uma hora acerca de seu trabalho de doutorado sobre o mito na literatura do tal escritor. Tinha um sotaque sulista. Fui fumar um pouco na varanda. Olhar a noite que vinha chegando. Me sentia asfixiado. Fumei um cigarro. Depois outro. Voltei pra lá e a mulher continuava a tagarelar seu doutorado. Comecei a refletir sobre essa gente que faz doutorado acerca da obra de escritores. Parecem cãezinhos fiéis e bajuladores quando estão ao lado dos seus mestres. Eles sacodem negativamente a cabeça e eles também. Eles fazem uma carinha de aprovação e eles também. Eles coçam a fronte e eles também. Fazem um gesto de prece com as mãos e eles também. Esperava ansioso ele coçar os colhões pra ver se ela fazia o mesmo. Mas aí já era demais. Cãeszinhos amestrados é o que são. Comecei a rir sozinho. Olhei ao redor e as pessoas estavam muito sérias. Ainda bem que Álex não viera, pensei. Ia pedir pra sair e não voltar mais.
Depois de muito bla bla blá e enchimento de saco, o tal escritor celebrado começou a falar. E falou divinamente bem. Que timbre. Que domínio. Que autocritica. Um escritor admirável, não resta dúvidas. Falou pausadamente belo, da importância dos clássicos: “Mais valioso ainda é ler primeiro a literatura de nosso tempo, que é enorme. Muito mais valioso, pelo menos, para um escritor, é ler o que lhe cai em mãos, seguir o nariz.” Bobo o que disse, mas sincero, sei lá. Uma hora depois encerrava sua fala com a mesma eloquência com que iniciou. Todos bateram palma. Eu também. Aí começaram as perguntas. Todas idiotas do tipo: “O que levou você a escrever?” “Qual seu processo de criação?” “Qual o conselho que você daria a um jovem escritor?” “Qual a influencia que Flaubert teve na sua literatura?” PUTZ! Esta última Já tinha ouvido uma centena de vezes. Sempre vindo do mesmo cara. Olhei para trás e era justamente ele. Todos os encontros que vou do celebrado escritor sempre encontro o mesmo cara fazendo a mesma pergunta. Já tive até pesadelos. Em um deles, ele se erguia do meio de uma multidão e me perguntava: “Qual a influência que Flaubert teve na sua literatura?” Um dia vou chegar até ele e dizer-lhe o seguinte: “Escuta, meu chapa, por que sempre faz a mesma pergunta? Ou melhor dizendo, por que não deixa o pobre do Flaubert em paz?” Juro que da próxima vez eu lhe direi isso.
A sessão de perguntas não parava. Uma enxurrada. As perguntas aparentemente inteligentes, o escritor aclamado fazia um gesto de aprovação fisionómica, e o seu fiel cãozinho fazia o mesmo. Quando a pergunta era estúpida, ele coçava a testa e o seu fiel cãozinho também. As definitivamente não compreendidas, ele torcia a boca e o seu fiel cãozinho também. Houve uma que extrapolou todas: veio da fileira da frente. O cara perguntou: “Qual o conselho que o senhor daria para um escritor que almeja chegar á academia de letras?” Juro que senti vontade de pular no pescoço do figura. O escritor aclamado fechou bem os olhos como se sentisse muita dor e o seu fiel cãozinho fez o mesmo. Não fiquei pra ouvir a resposta. Abri caminho no meio do povo e me mandei dali.

"eyes in the heat" (Jackson Pollock)

2 comentários: