sábado, 29 de janeiro de 2011

DIAS QUENTES DE VERÃO MANAUARA, subia a Dez de Julho feito a sombra curva e amarga de Jeanne Moreau, embalada por “Prelude to a kiss” do Miles Davis, ou por um “Body and Soul”, do John Coltrane mesmo. Amo Jazz. Álex me acha um cara muito fresco. Sentimental demais. Mas o que essa criaturinha entende por sentimentos? Você vive sua vida inteira ou a metade dela ao lado de alguém e nunca vai saber dos seus reais sentimentos. O SER HUMANO É UMA OSTRA. Findo largando esse putinho e arranjando um homem de verdade. O foda é que estou enamorado dele. Viciado em seu corpo; seu cheiro de flor do campo. Falo dele em outra ocasião. Enfim, era uma tarde dessas quentes de agosto e eu entrei naquele Solar para ver como andava a venda dos meus livros. Faço isso pelo menos uma vez na semana desde que publiquei minha mais recente novela. A velha ronda pelas bancas de revistas e livrarias do centro de Manaus com alguma espécie de esperança besta na alma. Apesar de ver meus livros publicados, sou ainda impublicável. O fato é que com o tempo eu vou me sentindo um idiota. Desacreditado. Alguém que ninguém leva muito á sério por aqui. O grande inseto esmagado do Gregor Sansa. “Ah pobrezinho dele...” ÁLEX EM MEU QUARTO ME CURANDO MAIS UMA VEZ DAS MINHAS BEBEDEIRAS VIOLENTAS. “Você precisa se olhar no espelho, paizinho. Tá um bagaço.” Da sua maneira infantil, ele me encoraja. E assim, vai crescendo ao meu lado. Já disse que falo dele em outra ocasião. Pois bem. A dona do lugar - uma senhora de aparência arrogante e com a porra de um sotaque mineiro - é quem sempre me atende:
“Pois não?”
“Vim ver como estão se saindo os meus livros.” Fez uma cara de poucos amigos e disse:
“Ah, o senhor sabe como é, literatura amazonense não vende. O senhor teima em deixar eles aí. Eu lhe avisei.” Respirei fundo. Lá fora um calorzão daqueles. Verão escaldante nos trópicos.
“Não estou vendo eles na prateleira, minha senhora.”
“Qual é o livro, moço?” Dei uma olhadela em volta e os localizei escondidos no canto da prateleira:
“São aqueles espremidos bem ali no canto.” Ela se levantou com um ar irritado e cansado, caminhou até eles e os colocou visivelmente expostos. Contei-os em silencio. Não havia saído nenhum. Seis meses ali expostos e não havia saído nenhum. Será que é pedir muito? “Não adianta, moço, não vende. Ficam aí mofando.” Aí ela me mostrou um outro livro: “Olhe este aqui: Está aqui há mais tempo que o seu. É de um escritor amazonense, mas não vende.” E atirou grossamente o livro sobre a mesa. Fez bum! Tinha um belo acabamento. Peguei-o. Dei uma olhada na orelha. Era sobre a passagem de Chê na Amazonia. Um livro biográfico. Parecia interessante.
“Por que a senhora acha que não vende?”
“Ninguém lê escritores amazonenses. São todos amaldiçoados.”
Senti uma puta vontade de esmurrar a cara enrugada daquela velha. Foda-se o estatuto do idoso. Mas contive a cólera. Ou quase:
“NÃO, NÃO É ISSO NÃO, MINHA SENHORA, O FATO É QUE EXISTEM PESSOAS ASSIM COMO A SENHORA, IGNORANTES, ILETRADAS, EU NÃO SEI COMO A SENHORA TRABALHA COM LIVROS, EU FRANCAMENTE NÃO SEI, A SENHORA DEVIA TÁ FAZENDO OUTRA COISA, SEI LÁ, SABE, MAS NÃO CUIDANDO DE UMA LIVRARIA, TUDO MENOS CUIDANDO DE UMA LIVRARIA, A SENHORA É ALGUMA LOUCA? POR QUE NÃO VOLTA PRA PORRA DA SUA TERRA SUA VELHA MERCENÁRIA DE MERDA!!”
É, eu havia de fato explodido mesmo. Rodado a baiana, como dizem as bichas.
“Saia daqui ou eu chamo a polícia!” Berrou ela.
Peguei os meus livros e caí fora. Ela gritava da porta: “SEU GROSSO! ESTÚPIDO! SE APARECER POR AQUI DE NOVO EU CHAMO A POLÍCIA...”
E É DESSA FORMA QUE SÃO TRATADOS OS ESCRITORES AQUI NESSA TERRA.
Parei no Lusitano e pedi uma cerveja.
“O que aprontaste dessa vez, Gajo?” Perguntou o português. A toalhinha azul sobre o ombro.
“Aquela velha, seu Orlando, ela é doida. Me veja uma cerveja urgente.” Ele foi apanhar a cerveja. Os sinos da São Sebastião começaram a tocar. Aquela hora bem poderia ser o papagaio metamorfoseado no Frei Fugêncio. Só mesmo os contos de Félix para me alegrar. A cerveja veio. Entrou leve goela abaixo. A DOCE E VELHA ANESTESIA DOS DEUSES. O velho Monumento á Abertura dos Portos. Uma criança abestalhada dando milho aos pombos. Uns garotos adoráveis atravessando a praça. A abóboda boba do velho teatro bobo. E ao meu lado, um escriturário do banco afrouxando um pouco a gravata e tomando em seguida uma golada de sua cerveja. Leio em seu tabloide. Letras bem garrafais:
“PEDREIRO ESTÁ ALOJADO COM FLECHA DENTRO DA SUA CABEÇA.” Essa fodeu. O pior que vende. Tomei mais um gole da minha cerveja. Olhei as horas. Aqui o tempo e o calor te devoram num segundo. Quando não, te deixam abestalhado. Como não havia muito o que fazer naquela tarde quente de agosto, terminei minha cerveja e me dirigi até o Cauá. Havia uma palestra de um escritor renomado de Manaus. Não tinha mesmo o que perder. Tinha?

continua...
w.kooning - expressionismo abstrata

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