quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Ú L T I M O T I R O

PARTE I - A ARTE DO GALANTEIO

"Netuno, traído e abandonado por sua companheira Cécila, que fugira com Hérbaro, o escorpião, numa atitude inumanamente inconcebível aos olhos de Zeus - fez cair, Netuno, sobre a provinciazinha, durante infindáveis dias, lágrimas finas de morte que chicoteavam e ricocheteavam fazendo tremeluzir os lampiões a gás de tons fúnebres e apastelados que se estendiam enforcados por toda a extensão da principal avenida da cidade, onde, á noite, abrigam-se e embriagam-se os heróis em seus castelos e casarões..."
Toma-lhe! A desmitologização. Aí se aproximou uma mulher vestindo preto, portando a droga de um crachá e um radio transmissor e ela me interrompeu dizendo:
_ Não pode fumar aqui não, senhor.
_ Ah, não?
_ Não.
_ Nem cachimbo? É só um cachimbo.
É bom lembrar aos senhores que eu me achava naquela tarde de sábado num shopping center e fumava meu cachimbo novo, enquanto aguardava a sessão das quatro e vinte começar.
_ Há um espaço aqui ao lado só para fumantes. Mas eu não aconselho o senhor a ir, agora não, pois restam poucos minutos para o início da sessão. _Falou polidamente. Concordei apagando meu cachimbo. Fechei meu caderninho de notas, paguei a água e levantei-me, dirigindo-me em seguida á sala de projeção. Confesso a vocês que não suportei ficar vinte minutos ali dentro. O filme era uma porcaria: gravidez na adolescência e autoafirmação de uma geração comedores de cheesburgers, além, é claro, de doses homeopáticas de moralismo antiaborto. Ah, vão enganar outro. Deixei a sala e fiquei andando a esmo um tempo, perdido, olhando o preço das coisas nas vitrines. Entrei numa tabacaria e chequei o preço de alguns tabacos. Na verdade, queria mesmo tornar a ver a atendente com cara de Helen Hunt. A mesma do filme As good as it gets, em que se encanta com Jack Nicholson e o torna mais humano. Veio vindo ela em minha direção, com leve sorriso em seus lábios e disse:
_ Boa tarde!
_ Boa tarde! _Olhou-me com certa curiosidade e indagou:
_ O senhor não esteve aqui da outra vez comprando um cachimbo?
_ Sim, estive.
_ E o que foi isso no braço?
_ Ah, sim, uma cadeirada, senhorita. _ Como mentir para um anjo daqueles.
_Cadeirada?
_Sim, uma cadeirada.
_E quem foi esse mau?
_O canalha do amante da minha ex-mulher, com perdão da palavra.
_E o senhor sabia que estava sendo traído?
_Aquela velha história: o marido é o ultimo que sabe. Eu vagamente desconfiava.
_Errado e ainda fez isso com o senhor?
_Pois é... é a vida.
Sorriu. Era branquinha e tinha um sorriso lindo. Não sou racista, podia ser negra, parda, ruiva, morena, mas quero me ater aos fatos, pois que era branca sim e redimiria todos os meus pecados, além do mais, tinha a cara e o sorriso da Helen Hunt.
_E o que o senhor vai levar hoje?
_Você comigo para tomarmos juntos um bom chopp e apreciarmos esta tarde tão agradável que nos brinda lá fora com seu frescor vesperal. _Tinha de arriscar, ora. Sorriu novamente um sorriso encabulado e respondeu:
_Hoje não posso.
_Ora, mais por quê? Que horas costuma largar?
_Hoje, bem tarde, as onze.
_Hummm... que tal amanhã?
_Também não dá. _ Falávamos agora baixinhos como dois pequenos amantes a conspirar uma felicidade mútua. Eu fingia interesse pelos tabacos nas prateleiras. Mas estava mesmo era imaginando os pelinhos louros de sua vulva rosadinha; a ternura dos lábios vaginais em contato com a minha língua, causando um jorro abissal do néctar dadivoso que compensa toda a existência miseravelmente humana do homem. O mais vil de todos. O mais cachorro. O mais santo. O mais tolo. Também olhei para o volume de suas nádegas sob a saia azul de linho e era um traseiro nem muito grande nem muito pequeno, diria que médio, proporcional ao seu corpinho e também os peitinhos, os tornozelinhos, tudo tão delicado e discretamente espetacular que encaixaríamos perfeito e teríamos lindos filhotes, e você aí do outro lado do papel com certeza vai dizer, machista! Só vê isso na mulher? Não, porra, também vejo o lado humano que justifica sua inteligência, como ela bem demonstrou no início ao preocupar-se com a minha mão quebrada e ao ouvir com interesse a minha história. Então ela notou minha tristeza de cachorro e me disse:
_Semana que vem chegarão uns tabacos novos, tailandeses, cujo aroma é bem gostoso. Por que não passa aqui na quarta para conferir? _Ahh, as mulheres, docemente ardilosas. Sabem mesmo jogar. Meus olhos, é claro, iluminaram.
_São bons mesmo?
_Asseguro ao senhor que sim.
_Então estarei aqui na quarta.
_Vou esperar.
Havia nela, sem dúvida, um invencível encanto que me impelia ao exercício do galanteio. Por isso, antes de sair, ainda lhe disse:
_Alguém já lhe falou que você se parece muito com a Helen Hunt?
_Quem, moço?
_Helen Hunt. Uma atriz americana. Ela fez “Melhor impossível”, com Jack Nicholson. _ Fez que não sabia torcendo o narizinho afilado. Tentei lembrar-lhe de um filmezinho comercial e chato:
_Tornado! Você assistiu Tornado?
_Aquele do furacão que destrói tudo? _Os olhinhos dela brilharam.
_Este mesmo!
_É aquela?
_A própria. Mas precisa mesmo é ver Melhor impossível. Ela está maravilhosa e ela se parece muito com você. Até o sorriso, veja que coisa.
_Sério? Vou acreditar, hein?
E então nos despedimos. Talvez eu tenha cansado o leitor com essa passagem, mas eu precisava falar dela porque acabei voltando lá outro dia fazendo valer o meu intento. Mas isso já é uma outra história.
Seguimos?

continua amanhã

2 comentários:

  1. Nossa, gamei, parece uma novela ao vivo e a cores dentro da construção em minha cabeça do cenário, das falas, do ambiente, 'das vitrines te vendo passar', e logicamente dos protagonistas. Eu, que ultimamente andei assitindo aos seriados norte americanos, apaixonei, vou esperar anciosa a continuação. Beijo e abraços Márcio.

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  2. que bom que gostou do início.
    continue acompanhando...
    brijos!!!

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