sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A MORTE DO CURIRIM


Como dizia minha vó, “vaso ruim não quebra.” Não sei bem se o Curirim é um vaso bom ou ruim de quebrar, levando em conta que, todos os freqüentadores do Bar Castelinho são vasos ruins de quebrarem, e eu, é claro, não fujo à regra. O fato é que o desfecho da última sexta feira culminou com o episódio tragicômico envolvendo o nosso amigo Curirim que tombou desfalecido entre o Castelinho e o Bar Safari. Estava feita a celeuma. Deixei o balcão do bar e me aproximei um pouco pra ver. Todos ali em volta de seu corpo pequeno e franzino que sangrava á cântaros. Entre os curiosos, haviam também alguns meganhas fardados. O cara ali morrendo e nada da porra do SAMU. Ouvi alguém dizer: “Porra, esse tá fodido.” Pelo andar da carruagem e da falta de assistência médica mais eficiente em nosso estado, o cara realmente tava fodido. Se fosse o filho de um bacana que tivesse morrendo fodido daquele jeito, com certeza o empenho seria melhor. Mas o cara era o Curirim. E quem é o Curirim? De que pântano da vida ele veio? Com certeza, mais um número na estatística. Voltei pro balcão do Castelo pra terminar minha cerveja, ouvir “I wish you are here”, do Pink Floyd na vitrolinha, e quem sabe torcer pro cara se safar dessa. Toda morte tem um peso. Morrer não é legal. A morte é o susto da vida. Fiquei ali filosofando essas coisas estranhas. Paguei a conta e caí fora, rumo ao baixo meretrício.
No dia seguinte recebi a visita da cantora Sâmila, que descalça e com uma puta cara de ressaca, veio bater á minha porta as dez daquela manhã. “Porra, Márcio, tô cansada e com muita fome.” “Entra aí, vai.” Entrou, tomou um banho e tomou de assalto a cozinha. Entre uma colherada e outra, conversamos sobre a noite passada. “Soube o que houve com o Curirim, ontem, não soube?” Perguntou ela. “Pois é, será que morreu?” “Cara, foram sete facadas no peito.” “Porra, sete facadas? Esse já era.” “Te esperou.”
Dormimos a tarde toda, e por volta das seis, voltamos ao Castelinho para curarmos nossa ressaca e saber das notícias. As mesmas carinhas de sempre, com exceção de alguns EMOS que eu nunca tinha visto na vida. As figuras bebiam vinho, jogavam sinuca e arranhavam um violão, cantando as músicas tristes do Legião. Bocejei e ela também. Mais tarde ela sairia par vender seus CDs e eu os meus livretos. Aí então, ela virou-se pro Cabecinha que bebia na mesa ao lado e perguntou: “E aí Cabecinha, onde está sendo velado o Curirim?” “O Curirim? Porra, o cara não morreu não. O filha da puta me apareceu hoje as sete da manhã batendo na minha porta com uma garrafinha de corote e me pedindo roupas novas.” Nos olhamos surpresos e quase rindo. “ Mas não foram sete facadas?” Perguntei. “Que nada, só umas pauladazinhas na cabeça. Essa gente tem a mania de matar os outros antes do tempo.”
Não sei cara, conheço bem pouco o Curirim. Não importa o que ele andou aprontando. Só lembro que um dia ele chegou uma única vez junto de mim no balcão do Castelinho e me pediu pra pagar uma cachacinha. Foi a única vez que fizemos contato. Se ele vivia aprontando ou não, isso não é problema meu. O cara tava vivo e eu de certa forma me senti aliviado. A cantora ao meu lado, também, com certeza. A vida é mesmo engraçada. Dessa vez quem levou o susto foi a morte, e não a vida.
Erguemos nossos copos e eu pedi outra cerveja.

crônica publicada no fanzine AMPULHETA

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