quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

FINAL - A MELA É O SUBSTITUTO DA MERDA

Trata-se de um matadouro. Um matadouro excessivamente pequeno, sujo e triste. Um matadouro. "Deixa que eu faço. Tem seda?"" Uma cama de concreto fria e tumular faz-me lembrar um daqueles jazigos do cemitério São João Batista onde está enterrado meu irmão suicida. "Ah, deixa, tenho uma aqui. Me dá o soquete!" Um pouco a esquerda há uma única janela hermeticamente lacrada com tábuas de madeira e jornais velhos. "A mela é o substituto da merda. Fogo?" Um cheiro de sêmem e urina vencida. "A mela é o substituto da merda." "Dois pega! Não deixa apagar!" Dou conta da miséria em que me encontro. A miséria gerou o homem. Moldou-o á sua forma e semelhança. Deu-lhe um caráter e uma substancia limosa. Cartilagem, ossos, vasos, rins, um coração de calcário e um espírito emporcalhado. Eis o arcabouço do homem. Eis o arcabouço da miséria. "Se liga aí, passa a goma! Passa a goma!"
Sento-me sobre a cama fria de concreto. Minhas hemorróidas tartamudeiam. "Perdi meus dentes da frente. Todos do juízo. Não foi culpa da mela não, foi do filho da puta que me arrancou todos eles com um só murro. Sempre cobram da gente aquilo que não podemos dar, não é professor? Tem cara é de professor..." Dá um pau no bagulho, faz uma cara de viciada e diz: "Mostra o pau porfessor, quero sentir ele todinho dentro da minha buceta." Tenta abrir minha braguilha. Começo a ver tudo rodando. Tudo encolhendo. É o efeito do conhaque com a porra da mela. "Mostra esse caralho, porra!" "Han?" "Mostra esse caralho, porra!" Afasto sua mão e tento dizer-lhe amigavelmente que daquele jeito não rola. Acusa-me de veado. Começo a sentir medo. É quando uma lâmina fria e pontiaguda eu vejo saltar de dentro de uma pequena estrutura de aço e espetar de leve minha jugular. Minhas hemorróidas se calam. Tudo se cala.
"Cadê a carteira?"
"Faz isso não."
"A carteira, porra!"
"No bolso da calça!" Fico um tempo em silencio enquanto ela vasculha os bolsos da calça olhando fundo nos meus olhos. Seus olhinhos pequenos e brilhantes de tarântula. Tento manter a calma na hora em que a morte se desespera. A morte tem pavor da própria morte. A vida sempre foi uma mentira. A morte sim, áspera, fria e verdadeira. Raspa-me tudo que há na carteira sem que me sobre um único centavo pro conhaque. Então, okey, digo ironicamente a mim mesmo, deitando-me sobre a cama de concreto fria e tumular e, apesar de minhas reflexões que agora se lançam na vacuidade de minha mente gravemente ferida - acerca da discrepância entre vida e morte -ainda levo uma fração de tempo para aceitar que estou sendo ingenuamente roubado. Ainda sou capaz de sentir a lâmina fria em minha jugular e os olhinhos dela - escuros e brilhantes de tarântula - olhando para mim sem um pingo de remorso, decência ou humanidade enqjuanto revira ás pressas os bolsos de minha calça á cata de algum dinheiro. Depois de tudo, francamente não sei ao certo se agradeço a ela por continuar vivo. Ouço agora ela assobiar alegrizinha enquanto desce as escadas de cimento daquele hotel. Acabo esquecendo de perguntar-lhe o nome. O meu é Mário. Mário Augusto. Prazer.
Muito cansado, deito-me lado, assim, em posição de feto.

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