terça-feira, 14 de dezembro de 2010

IV- GRANSCY NA CIDADE DOS ANÕES




Granscy deixou o expresso £££ descendo apressado as enormes escadas de metais em formas de espirais ondulantes, ganhando as ruas constipadas pela chuva de corante acidosférica, que caía lentamente. Para se chegar a Cidade dos Anões, ele ainda tinha que percorrer alguns quarteirões de uma alameda úmida que se estendia de um ponto a outro. Uma alameda ornada por Domos de acrílico sobrepostos cobrindo o que um dia deveria ter sido uma avenida qualquer.
Ele então cruzou um mini-arco de luz néon e deu com um vilarejo único e estreito assediado por casinhas engraçadas feitas de alumínio e latão. Já poder-se-ia ver alguns anõeszinhos zanzando como baratinhas tontas, por ali. Localizou o que parecia ser um Lupanar, e seu chip almanizado iluminou-se. Entrou, indo aboletar-se numa mesa pequena e ignóbil. Sentiu-se ridículo, mas alguém ali poderia lhe informar sobre Hylda. Não estava ali por essa única razão?
Os anões se entreolharam. De estranhos naquele lugar só mesmo Granscy e um ciclope que bebia solitário na outra mesa. Um casal de anões, referindo-se ao ciclope, se indagava:
– Quem me garante que ele não é um Muloc?
– Não, não é. Ele está chorando, vejam!
De fato o ciclope chorava. Ouvia Azavour e chorava. Um anão albino aproximou-se da mesa de Granscy:
– O que o senhor deseja beber, moço?
– Quero algo forte.
– Temos Hydrofil, pode ser?
Granscy, confuso, coçou o cocoroto.
– S-sim, pode. – E até gaguejou.
O anão albino sumiu por uma portinhola e Granscy ficou a olhar o lugar. Sacou da carteira um Flywin amarrotado e passou a fumá-lo com elegância. Olhava os anões que ziguezagueavam curvos e tristes solidarizando-se com a dor do ciclope.
O bar fedia a anões. Anões de todas as espécies; de cafetões a uma variedade estranha de traficantes de sonhos e ilusões. Foi lhe servido o Hydrofil. Ao contrário das outras substâncias que eram ingeridas por via oral, o Hydrofil tinha sua peculiaridade, pois que era inalado por tubos finos de borracha sintética e em seguida expelido delicadamente e sem pressa, impregnando os espaços em derredor com um doce aroma de hortelã absintico e papoulas embriagantes. Ultima moda vindo da China. Ele experimentou. “O que eles ainda faltam inventar”. – Sorriu Granscy. Uma anãzinha vestindo couro e botas sintéticas emergiu das sombras de néon e foi sentar-se à mesa dele:
– Hummmmm... Hydrofil. – Observou a anã que tinha olhos pequenos e insinuantes.
“Puta merda!” Espantou-se Granscy ao reparar que a anã era portadora da Talydomida.
– O rim como o amor ainda filtra direitinho. – Defendeu-se a anã, filosofando. O ciclope pagou a conta e deixou o Lupanar. Um Ba-Tech muito doido começou a tocar parecendo anunciar o fim do mundo. Os anões sob efeito combinatório de Hydrofil e Benzoclina rodopiavam alucinados no meio do salão.
– O que o moço procura? – Perguntou a anã com talydomida.
– Pra ser sincero, ainda não sei.
– Todos nós procuramos por algo que não sabemos, é verdade.
Granscy cerrou os olhos. – Talvez esteja procurando a si. – Complementou a anã. Por um momento ele refletiu sobre aquilo, mas aí, caindo em si, lembrou-se:
– Ah, sim, recordo. Procuro por Hylda.
– Tisc tisc tisc tisc tisc tisc tisc – Onomatopeou a anã. – Não procura, não. Hylda é apenas um subterfugiu que o mantém existindo. Só mais uma fuga.
– Não, não é não. Ela tem as informações a que busco. Vai me ajudar a salvar a cidade do caos. – Granscy agitou-se nervoso quase derrubando seu Hydrofil.
–Você precisa salvar a si, não aos outros.
Daí em diante tudo começou a girar bem devagar. As feições da anã ganhavam feições variadas, indo do belo ao horrendo. O som Ba-Tech emitia agora o som de um obturador cutucando um nervo do dente
–O que quer é me confundir. – Falou ele pra anã. – Me ajude a encontrar Hylda, por favor!
–Faça amor comigo na cúpula geodésica do polígono g. Não busco muito. – Propôs a anã. É claro que para Granscy era impossível imaginar-se copulando com uma anã, ainda mais com talydomida. Mas será que havia outra escolha?
– Prometo depois deixá-lo em paz para prosseguir com sua busca. Talvez consiga ser o que realmente busca ser. – Concluiu ela.
- Sou o que sou. – Rebateu ele.
– Nem sempre somos aquilo que pensamos ser. Há um descontentamento geral com o que somos ou com o que representamos.
- Você é Hylda, não é?
– Claro que não!
A anã arrastou Granscy para o meio do salão e o convenceu a dançar um Transe-Tech que era uma combinação Hindu-Afro-High-Tech duas vezes mais potente que um Ba-Tech causando fortes vibrações captadas pelos tímpanos sob pressão hidrosphérica. Granscy desparafuzou-se. Saltava alucinado do chão jogando os braços para o alto em movimentos rápidos e alternados, tocando o queixo alongado nas extremidades de seus ombros largos. Os anões riam de Granscy sem sequer imaginarem que ele estaria ali revolucionando e tornando moda uma nova forma de expressão corporal. Não sei precisar ao leitor quanto tempo Granscy e a anã ficaram ali naquela dança gamulustérica, mas, uma coisa posso lhes afirmar com veemência, o lupanar e a vida
daquelas criaturinhas nunca mais foi a mesma...

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