quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

fracasso


é no mínimo engraçada e curiosa a palavra JUBILAÇÃO. jubilar vem de júbilo que significa alegria, contentamento, satisfação, alguma dádiva. na prática não é bem assim. para alguns, o efeito dessa palavra, a grosso modo, pode significar o contrário, algo do tipo, tristeza, derrota, desapontamento, fracasso ou algo parecido. o fato é que nesta manhã cinza de dezembro, recebi minha carta de jubilação. nunca pensei que fosse receber uma carta como aquela. enfim, peguei a carta, sentei na cadeira da sala de minha nova casa, e li cuidadosamente o que estava escrito nela. foram curtos e grossos:

Sr. Márcio Santana, o senhor foi jubilado.”

havia sido finalmente jubilado daquela faculdade e eu não tenho vergonha alguma de tornar público o fato. não me arrependo nem um pouco. Se fui o grande responsável pela minha jubilação ou não, isso pouco importa. o fato é que não dava mais pra eu ficar enganando a mim mesmo e a ninguém. Então eu mesmo me jubilei. Joguei a toalha da minha farsa. nem sei por que estou escrevendo sobre essas coisas. ah, sim, talvez o ocorrido faça parte de mais um fracasso meu. e foram muitos até aqui.
nasci numa cidade fracassada. na adolescência sonhei em ser jogador profissional de salão do Santos Futebol Clube, mas fracassei. um dia o técnico chegou e disse que não dava, que eu era um péssimo ala esquerda e delicado demais nas divididas. desisti do futebol muito cedo. meus amores de juventude também foram recheados de fracassos um atrás do outro. nunca tive tato com as mulheres, mas que para esconder bem escondidinho minha homossexualidade, tinha que encarar elas de frente, aí que meu coração batia mais forte pelos garotos. um dia tomei coragem e declarei meu amor para um coleguinha de classe e ele me arrebentou a cara no banheiro da escola. O pior foi que, para ele não espalhar que eu era viadinho e acabar comigo, tinha que pagar-lhe pedágio todas as vezes que adentrava o portão daquela escola.
meu professor de Literatura do turno noturno foi minha primeira e grande paixão platônica de rito de passagem da adolescência á fase adulta, só que infelizmente o cara era hétero (sei que não existe isso), casado e não tinha como rolar mesmo. então ficava da minha cadeira ouvindo ele declamar os poemas de Olavo e Cecília Meireles suspirando e sonhando com ele. na fase adulta, falhei como professor, talvez por ganhar um salário indecente, trabalhar nas piores escolas e nunca acreditar de verdade na educação. larguei o magistério esse ano. Não casei, não tive filhos, não vou deixar legado algum. considero isso um fracasso também? não sei. talvez. no fundo dou vivas a Machado. “Aos vencedores, as batatas.” na faculdade fui um fiasco, tendo que me arrastar por quase 10 anos fazendo o mesmo curso que não me dava curso algum. faltando um período e meio, fui jubilado. minha mãe a qual não lhe dei nora e nem netos, morreu acreditando que um dia eu pudesse ao menos me formar. enfim, restou-me a literatura que sobreviveu a tudo, no entanto, meus livros todos até aqui foram um fracasso. nenhum merecidamente reconhecido. mas continuo tentando. é tudo que de verdade me resta. se um dia eu fracassar como escritor, então eu não fui realmente nada. me consolo na frase de FraNZ - um dos personagens da novela que estou escrevendo e que se chama O Homem que perdeu o cu: “O HOMEM É FEITO DE DERROTAS E DELA SE ALIMENTA PARA FICAR FORTE.” Ou até mesmo do próprio Cu que afirma: “O FRACASSO É UM BOLERO TOCADO AO AVESSO.” mas vai que FraNZ e o Cu tenham razão.Um dia conversando com uma amiga sobre meus fracassos, ela virou seu copo e disse: "para alguém que sobreviveu a sete facadas no útero e está aqui falando de seus fracassos, não consideras isso uma vitória?" aquilo me deu certo alento, mas não foi convincente.sei que pareço autopiedoso se lamentando no meio da vida diante de coisas aparentemente tolas e irrelevantes com tantas outras coisas que ainda virão, mas foi a carta que me fez repensar o que EU FUI ou o que EU FIZ até aqui, o que, de certo modo, me fez acordar.
Enfim, olhei uma ultima vez para a carta jubilada e a atirei ao lixo, depois fui até a cozinha e abri uma garrafa e meia de vinho que havia sobrado da ceia do natal e brindei a mais um fracasso meu e também a muitos outros que certamente virão. Por que pensar em vitórias? Numa época de vencedores artificiais, não me arrependo nem um pouco em ser um fracassado assumido.

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