sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

FINAL - GRANSCY DE VOLTA A ORIGEM


Granscy fez sozinho o trajeto de volta da torre. Alcançou a plataforma mais próxima e comprou o seu bilhete. A ânsia de voltar para casa era por demais. Não tinha mais cigarros e por isso estava desolado. Só queria voltar para casa. Para o vazio de tudo; para o vazio das linhas que sempre pontuaram sua vida até ali. Sentou-se abatido e olhou abestalhado as plataformas. Pessoas entrando e saindo. O sentido da vida não estaria no breve fluxo metafísico do ir e vir dessas pessoas? Refletiu no instante em que uma voz metálica anunciava o próximo expresso que partia. Ele conferiu sua passagem e caminhou para lá. Num planoseqüência, observou os rostos brancos e apreensivos dos passageiros. Intuiu-lhe algo. A nave partiu atirando os corpos para trás. Ao passo de algumas horas, aconteceu o que ninguém queria. A nave fez um desvio entrando nas regiões ondulatórias da Experimental-Quantum. Houve gritos e protestos. Granscy foi sentindo estranhas modificações de ordem hormonal, a começar pela ânima feminina azunhando-lhe a epiderme. O rosto, ganhando contornos delicados, alongava-se um pouco mais. Emergiam peitinhos atrevidos fazendo escândalo. Não sentia tanto a perda dos pêlos, pois que sempre lhes foram escassos por natureza. Viu-se assustado, olhando sem graça para os lados. Um homem acompanhava curioso aquela transformação. Houve uma forte turbulência em razão do novo fluxo atemporal que aqui traduziremos como: Desvio de Destino.

FLUXO ZERO

FLUXO ZERO FLUXO ZERO

FLUXO ZERO

FLUXO ZERO

Piscavam luzes intermitentes alertando.
Granscy sentiu cólicas e foi ao banheiro. O estranho homem a seguiu. Frente ao espelho, acariciou a pele alva, a maciez da carne, os mamilos intumescidos... Uma vasta e negra cabeleira descia-lhe mansa sobre as omoplatas. Sorriu. Os lábios pediram batom. Ornou-os sem exageros. Um pouco de blush no rosto, também. Fez trejeitos, girou nos elegantes saltos e por fim refletiu acerca de seu novo hospedeiro. Foi quando ouviu uma voz atrás de si:
– Hylda!!! – Virou-se surpresa dando com um sujeito parado na entrada do banheiro. Trajava paletó cinza (velho e surrado por sinal) e um chapéu de paraíba na cabeça. No rosto, um feio talho na diagonal. Ela quase riu. A presença dele pareceu-lhe um Deja Vu.
– Tão breve é a beleza, enquanto a morte vem inteira. – Disse ele sorrindo. Os dentes em ruínas.
– O que o senhor quer, afinal?
– Acompanho todo o processo.
– E daí?
– Daí que as palavras não valem nada. São nossos pecados jogados no lixo.
- Ixi! – Avizinhou-se dela agarrando-lhe grosseiramente os bracinhos.
– E digo-lhe mais, meu botãozinho. A poesia mente. Ela nada mais é que um grande vácuo que nos chupa a alma.
– O senhor é muito escovado, isso sim.
– No fim da grande reta há sempre o vácuo que nos espera.
- Credo!! Desvencilhou-se dele fugindo às pressas.
– Mas também vendo no atacado, cremes anais e removedores de pêlos. – Gritou.
Bastante aturdida, Granscy, que agora descobriu-se Hylda, por intermédio do homem da cicatriz, não fazia a mínima idéia de como tudo aquilo acabaria. Embora, tão óbvio fosse o seu desfecho, como a cegueira é na velhice e a crista de galo na juventude
A nave entrou na Esfera-Quantum. Um grupo de Glumps-Glumps pulavam e gritavam:

“O SOL É VERDE!” O SOL É VERDE! O SOL É VERDE!”

Pulavam nos assentos e batiam suas cabeças umas nas outras. Um Muloch esperto transformou-se numa pulga. Uma outra subespécie qualquer jurava ver Cristo de olhos apagados no final de um balcão de bar. Á estereozofrenia era total. Á Granscy, coube apenas a breve reflexão de que todo esse tempo ele não buscava outra coisa além de si mesmo.
Tampou os ouvidos fechando os olhos. Havia algo em seu rosto. Não era medo. Tampouco raiva ou tristeza. Quem sabe uma certa incompreensão serena do que foi a vida, aliada agora a uma repulsa estética do que viria ser a morte.

“tão breve é a beleza,
enquanto a morte vem inteira.
no fim da grande reta,
há sempre o vácuo que nos espera.”

Foram essas as palavras.

A nave efetuou um ligeiro “looping” despencando de vez no grande abismo de lábios leporinos.


para Diego Moraes

Nenhum comentário:

Postar um comentário