terça-feira, 12 de janeiro de 2010

UMA CRÕNICA SOBRE O AMOR E OUTRAS BUSCAS - PARTE II

Fria, a tarde bocejava. Espectros de nuvens praticavam esgrimas no céu. Parecia o homem contra o tempo. Doidera surrealista minha. Sugeri ao filosofo o bar "Holandas" que aquela altura, supunha já haver um certo batimento de vida. Topou. Entramos e escolhemos uma mesa estratégica que nos desse uma visão ampla do lugar. Marcos pediu uma cerveja e eu uma coca. Estava longe das cervejas uma cara de tempo e eu me sentia muito bem assim. Os olhos ternos e sintéticos de Marcos percorriam silenciosos e avaliativos o cardápio de putas. Perguntei-lhe afinal:
“E então?” Ele esfregou as mãos animadinho:
“É como estar num grande açougue. É preciso saber escolher para não levar gato por lebre.” Me disse aquilo muito seriamente. “Mas você – prosseguiu ele – tem mais prática que eu, podes me ajudar escolher?!”
Tomei um pouco da minha coca e olhei em derredor. Ainda possuía um certo faro pra coisa. Atribuo isto aos anos de experiência em que andei equivocadamente por esses lugares docemente sujos durante minha eterna busca pela composição do meu “eu” fragmentário.
"Que achas da morena na mesa da frente?” Virou-se pra olhar. Ela nos sorriu de lá.
“Que devo fazer?”
“Paga uma cerveja!” Chamou a garçonete e ordenou-lhe com classe que retirasse daquela mesa uma garrafa vazia. Uma outra foi posta em seu lugar e a puta agradeceu sorrindo outra vez.
“E agora?”
“Ela vai pedir um cigarro.”
“Não fumo.” Empurrei uma carteira em sua direção. Apresentei-lhe um isqueiro vermelho também. Éramos sem dúvida uns românticos tuberculosos cronologicamente descontextuados com a barbárie e selvageria dos nossos tempos, embora os nossos gestos eventuais ainda surtissem algum efeito deixando o sol e a lua sobre nossas cabeças rubros de vergonha.
“Ela é bonita, mas aprecio um tipo mais exótico. Algo que fuja dos padrões da moderna estética putiana, se é que você me entende.” Me disse ele tomando uma golada considerada de sua cerveja.
“Bom... “ Tentei indicar-lhe uma outra, mas não conseguia vislumbrar algo que fugisse esteticamente dos padrões da nova estética putiana. É que meus olhos estavam mesmo vidrados em um trabalhador rude do cais que estava no balcão bebendo na companhia de uma puta. Apesar de seu olhar e de seu sorriso a que me lançava furtivamente de quando em quando, após ter cedido-lhe um cigarro meu, eu sabia que não ia dar em nada. Sua carteira e seu falo idiossincrático pertencia aquela puta.
“Márcio... Márcio...”
“Oi, sim! Fala Marcos.”
“Que te parece aquela orientalzinha ali, naquela mesa?!”
“ Bom...”
“Virtuosamente exótica! Devo ir lá?”
“Demorô!”
Marcos levantou-se e caminhou com altivez poética até a mesa. Voltei os meus estudos sobre a anatomia falocrática daquela criaturinha suja no balcão o qual havia me reacendido alguma centelha de esperança. Tentei decodificar alguma mensagem naquele olhar furtivo e maroto, mas nada tirei de conclusivo a não ser conjecturas tolas e imaginativas. A natureza homoneutica (uii, criei um neologismo) é algo mesmo indecodificável. Bem mais complexa do que a femeneutica. O cachorro levantou-se com a puta e foi embora. Sequer um último olharzinho. Murchei como uma rosa. Marcos voltou de sua investida bastante cabisbaixo.
“Então? Rolou ou não?” perguntei sem muito ânimo.
“Não, não rolou. Ela disse que estava cansada, não muito disposta. Isso é comum?"
“De repente...
“Desse jeito vou reclamar ao PROCON.”
“Vamos tentar um outro lugar, que tal? Paga a cerveja e meu refrigerante.”

Ele concordou e caímos fora dali.”

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