segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

OS OLHOS DE KASMIN


OS OLHOS DE KASMIN


Encontrar algo de bom, de novo, de original, e que fuja do circuitão elitista cultural palaciano da cidade de Manaus, vem se tornando cada vez mais um verdadeiro exercício de garimpagem. Mas se tivermos um pouquinho só de paciência nessa nossa garimpagem, vamos encontrar coisas bem interessantes e originais acontecendo em nossa doce e sonolenta provinciazinha. E o que é bem legal: dentro do cenário alternativo amazonense. Me refiro a exposição de fotografia, “Armando em Retrato”, da artista plástica Kasmin Carnavale, que ficou em exposição no Bar do Armando desde o dia 23 de setembro de 2009.
A ferramenta do seu trabalho é o olhar. Mas não um olhar comum, como o meu ou como o seu, leitor, mas o olhar dela. De Kasmin. Um olhar cirúrgico de espiã da alma. Espiã no sentido investigativo das matizes da alma. Sendo o bar, o corpo investigativo desse seu olhar, e cada figura humana ali involuntariamente exposta, uma célula viva desse corpo investigativo a impulsionar-lhe o olhar aliado ao desejo dos dizeres expressos em grafias de luz.
O cinema é oriundo da fotografia, disso não temos dúvidas, e como não poderia deixar de ser, Kasmin dialoga com o cinema também, pois cada série de fotos reunidas em sua exposição, nada mais é que um short-cut da vida noturna com seus protagonistas. Tudo é movimento. Nada é ausência: dor, alegria, angústia, nascimentos, abortos, solidão, verdades, mentiras, chegadas, partidas, sonhos, frustrações, enfim, nada escapa aos olhos coagulantes de Kasmin. Sua estética rude e largada, advém do surrealismo, do punk, do dadaísmo, ou até mesmo da fotografia feita por amadores, pois que para a artista, como ela bem afirmou, não há sentido algum na fotografia que obrigatoriamente tem que ser perfeita. Daí a razão de nos depararmos com algumas fotos fora de focos e mal enquadradas, o que nos é irrelevante e não tira o brilho de seu trabalho, pois que por outro lado, a potencia dos cortes, a transformação das cores e das sombras - em especial nas imagens preto e branco – e, sobretudo, a retenção do efêmero, onde morte e vida se misturam, sobressaem a essas pequenas “falhas” sob o ponto de vista estético, que porventura, tratando-se de uma profissional com a experiência que ela tem, foram de certo modo, propositais. Proposital ou não, o que nos interessa aqui não é a estética dentro da figuração do belo, mas o olhar voyeurista e intimista que Kasmin lança sobre esses tipos humanos que eventualmente encontramos no bar. Um olhar que capta um outro olhar, dando sentido as imagens. Um exemplo disso é a foto do português Armando (proprietário do bar), onde ele aparece com as pernas estendidas sobre a mesa, e cujo olhar parece vir do fundo de sua alma a nos atravessar com sua solidão digerida pelo tempo. Ao seu lado, a figura de um gato preto que nos faz lembrar o gato preto de Poe. Essa fotografia tirada e exposta no interior do bar nos dá mais ou menos uma dimensão da mostra de Kasmin, e nos fazem refletir um pouco mais sobre a arte de fotografar.

segunda 18/01/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário