sábado, 9 de janeiro de 2010

A ESTRADA DE WHITMAN

Assumi minha condição gay, o que aparentemente não é nada fácil. Ainda sou alvo de chacotas, comentariozinhos levianos, criticas, brincadeirinhas, risinhos, enfim, a porra do preconceito. Outro dia, quando saía de casa para um eventual encontro com um amigo, ouvi sem querer uma vizinha comentar: “este não tem vergonha na cara, esperou a mãe morrer para virar veado...” Juro que pensei em voltar para dizer-lhe umas coisinhas, mas acabei deixando para lá, considerando a educação que recebi diretamente de minha mãe para lidar em situações como esta . Engoli seco. Solucei a tarde inteira por dentro enquanto apreciava o esvanecer do sol no cais do porto enquanto aguardava a chegada desse meu amigo, e tudo porque sou deveras tolerante com os outros e convenço-me a cada dia que no fundo sou humano, demasiadamente humano, mas sabe, como dizia meu amigo Farrapo, eu cago e ando pra essa gente. A liberdade e a felicidade que experimento agora me é tão esplendorosa e fascinante que chega a compensar todos os olhares sarcásticos e condenatórios a que sou alvo agora cotidianamente. Nunca pensei em estar aqui, sentado frente a este micro, escrevendo sobre essas coisas nada triviais da vida. Mas é que me senti obrigado. Um formigamento. Um desabafo mesmo, sabe. Valho-me da coragem e da ternura que sei que ainda há em mim para finalmente “Get out of the closet”, e encarar esse mundo de frente. Não me sinto sozinho. ÁS vezes quando me sinto amargamente só, pego As Folhas de Relva de Whitman e folheio-as para me confortar a alma. Li certa vez uma estrofe que dizia assim:
(..) A pé, e com o coração iluminado, adentro a estrada aberta, saudável, livre, o mundo adiante de mim, conduzindo-me para aonde quer que eu escolha...
É de um poema chamado “A Estrada Aberta”. Um dos poemas mais lindos que acho de Whitman. Whitman era gay. Celebrou em versos e prosas a liberdade e a ternura de ser livre. Por que na vida nada se impõe. O que precisamos, é vencermos a maldita idéia cultural profundamente arraigada dentro de nós de que ser essencialmente “homem ou “mulher” é uma condição herdada pela natureza e que, portanto, a gente tem que ser do jeito que a sociedade espera de nós.
Com o meu coração aberto, livre das amarras do preconceito, vejo uma estrada nova se abrindo. A estrada de Whtiman. Ou a minha estrada mesmo...
Manaus, sábado 09.12.2010

3 comentários:

  1. tem um trecho de "calígula", do albert camus, que li há muitos anos mas que nunca me saiu da cabeça: "nenhum homem é hipócrita em seus prazeres". acho que a sinceridade eclipsa a falta do que fazer de quem se incomoda tanto com a vida alheia.

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