sábado, 9 de janeiro de 2010

UM CONTO DE NATAL


noite fria, virada de natal, numa pior, carente mesmo, pra quê mentir? Onze e pouco da noite, os disparos de natal, sabe aqueles fogos que formam coroas de luz no céu e nos fazem sentir pequeninos de alma?
aluga-se um corpo, vende-se, doa-se, também um coração, um cérebro, uma alma, tudo que há de doce, largo e generoso em mim, trago devagarinho no balcão do bar a solidão enevoante do meu cigarro, do outro lado da densa névoa, a figura deliquente de um anjo que me sorri, uma toca vermelha sobre a cabeça, olhinhos graúdos e brilhantes, um par de brincos em cada orelha, tão só e tão lindo, esses tipos marginais que escapam furtivamente das páginas de Caio Fernando Abreu, fico então imaginando ele enroscadinho em meus braços, tão quentinho, como o SENHOR na manjedoura, meu pequeno amante,

ai de mim que me esfaqueio a todo instante,
II

vou sentar a sua mesa, não pergunto de pronto o seu nome que é pra não borrar a noite com meu batom de amante, mais tarde vai se chamar Antônio, conforme me jurou virando-me com violencia de costas pra parede:
“mas assim, em pé, querido?”
“não gostas?”
um gesto evasivo na direção do colchonete sobre o chão frio de madeira, me atira de bruços sobre a cama, agora seu peso leve de anjo, sua respiração ofegante sobre minha nuca, me morde todo o corpo, o safadinho, “calma apressado, antes era tão carinhoso, agora tão afoito que me dá até medo”, “é que o dia...” “que tem o dia?” “Já vem e eu tenho que ir trabalhar”, eu que não sou bobo nem nada, sei que não se trabalha no natal, mas me calo como se calam as rosas, vai se agasalhando mais e mais dentro de mim, estocadas que me levam ao céu, pra juntinho de Deus.
beija-me a entradinha antes de espetalar-me a fenda negra que se abre como um trevo de cinco pontas.

agora eu era dele e ele não era meu...
marcio santana
Manaus 7 de janeiro de 20010

Um comentário:

  1. Conto maduro. blogger está bonito. você também é lindo como o lilás das letras.

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