terça-feira, 12 de julho de 2011

O HOMEM QUE PERDEU O CU - LIVRO II

CALDO QUENTE OU O CAPÍTULO DAS TRANSCRIÇÕES

NEGRO. sabe O que eu acho engraçado, é que a gente faz um monte de coisas, tipo, escola, teatro, música, mas a literatura, saca, a poesia, ela é um catchup, a maionese que enfeita um trabalho, né cara. nunca pensei que fosse sentar embaixo de uma árvore e sobreviver da minha poesia... sabe cara, tem uma hora assim que a gente não faz nada, olha prum lado olha pro outro, olha pra trás, olha pra frente, pouca coisa se tem feito pela poesia, é, ontem as mesmas pessoas, sempre os mesmos sobrenomes, morre um nasce outro sempre se intitulando poeta amazonense porque o avô fazia parte do clube da madrugada, porque o bisavô tomava cachaça debaixo do mulateiro e eu entendi já, tenho certeza hoje que o clube da madrugada não é e nem nunca foi um referencial na minha vida.

LORD. Interessante saber disso aí...

NEGRO. Eu prefiro dar prioridade pros loucos, pras putas, pros travestis, pros músicos dos bares, a que dá, dá, saca, prioridade a esses poetas caducos, eu entendo uma coisa assim que é muito forte na minha vida, eu escrevo exaltando somente o que eu vivi ou só escrevo o que eu sei, tá ligado?

LORD. O Branquinho é uma vivencia no caso, é isso?

NEGRO. O Branquinho é a construção de um pensamento planejado com outras pessoas, tipo, ele protesta contra a hipocrisia, contra o ufanismo, contra esse ideário de boto e também das folhas secas caindo no ribeiro, o manifesto do Branquinho é de que o poeta sonhe, mas que ele não sonhe um sonho manaustérico, parado, estático, saca, O Branquinho tem um sonho em que o sonhar ele ultrapassa a barreira do ser amazônida por ser água do Rio Negro, por ser chão, por ser barro amarelado do Solimões e por ele ser... (shuuaaaa barulhinho da cerveja no copo e uma voz de mulher no fundo dizendo: “vou lá na sua mãe.”)

Negro. um sonho, outro sonho que nasce né e abre asas pra ilusão e é das ilusões que o Branquinho emerge, e quando todas as ilusões se encontram, gesta o Branquinho, quando todos os pesadelos, quando todos os derrames cerebrais quando todos os becos e guetos e planos e quando toda a propagando do cinturão verde aparece na televisão, o Branquinho adormece, e quando toda a tosse de madrugada, quando todo o sexo matutino, quando todo o gozar acontece, ele se recria, ele se professa, e o Branquinho é isso, uma leitura que eu tenho há quatorze anos, que eu tenho a quatorze anos uma merda, escrevo desde os quatorze anos, primeiro trabalhei o Louco, primeiro que o Louco era um trabalho, éééé, já continha poesias que está dentro do Branquinho, poesias de um jovem apaixonado, uma espécie de Werther Goethiano dos nossos dias, saca, mas sem aquela onda de suicídio, O Branquinho tem partes do Louco e do ¼ Fechado que é a sua vela mestra, que é a sua ideologia, sua sustentação teórica, eu bebo do Louco, bebo no ¼ fechado, bebo numa trajetória, tá ligado?

Lord. mas por que Branquinho... essa ideia do nome...?

Negro. porque eu escrevia num papel de pão, porque não tinha grana pra ter caderno a vontade, ééééé... não tinha grana pra papel nenhum, então os papéis que eu escrevia os meus poemas eles eram branquinhos e não há qualquer menção disso no livro, saca, porque ele não cabe naquilo que você tá vendo, cabe naquilo que você vai sentir que é o Branquinho na tua vida.

LORD LENDO. És branquinho pois te abrigas no coração do homem que ofegante da labuta do dia a dia adormece na solidão das multidões, aí vem essa interrogação, né?

NEGRO. por que tu és tão branquinho, né...de fato.

LORD. isso, porque tu és tão branquinho... és branquinho porque geras a compreensão do mito, porque tens harmonia com os bichos, com o lixo, com os seixos, com os índios, com os negros, com os brancos, com os homossexuais, com as mulheres, com os seus, é por isso que és tão branquinho?

NEGRO. poderia te dizer que...que poderia ser uma espécie de manifesto onde eu nego a certeza em que não há nada acabado, não há nada pronto, que não há um círculo fechado na poesia, não há explicação sequer da ética, da lógica, há somente a incerteza, há somente... (voz de pedreiro no fundo: não vai dá pra terminar o piso hoje não, falta cimento, poeta...)

NEGRO. e grana também meu cumpadi. essa é a voz do meu o pedreiro... essa é a voz do meu pedreiro que tá trabalhando comigo há uma semana tentando me apresentar uma relação de afeto no vertente que é uma relação econômica e que fique bem entendido que pra ter amigo e um bom pedreiro precisa se ter dinheiro... mas continuando... o que te chamou atenção pra fazer a orelha deste livro, burguês?

LORD. oooo livro todo ele é...um pouco de tudo aqui na verdade... ele é...

NEGRO. prefiro dizer que ele é um pouco do nada, porque se ele fosse um pouco do tudo eu já entenderia que existe o tudo, e como o Branquinho... não há nenhuma certeza nele então não existe o tudo, o que eu justifico no Beijaflor, em que, se já existe alguma coisa logo não existe nada, é apenas o branco no branco, (barulho de cerveja enchendo o copo) é o não acreditar no tudo.

LORD. Soh.

NEGRO. o meu olhar, o meu objeto é o regionalismo, o caboco sem nenhum tipo de, de, de, sensacionalismo, frescura, essa evasão ás riquezas tão comuns... cara, eu não acredito que, pra poder falar do regionalismo tenha que eclodir mitos envelhecidos e nem tampouco sentimentos esquecidos, aí eu volto a razão, e quando falo na razão eu fecho na dúvida (barulho de serrote nos fundos. depois o bater seco do martelo do pedreiro.)

NEGRO. lê o primeiro social, cara...

LORD. Soh. (depois lendo o poema) vejo fumaça de carros e cigarros, de aviões escurecendo o teu céu. ouço palavras românticas e sons de pássaros harmonizando tua alvorada. pedaços de copas de seringueira se perdem no chão... preciso ler mesmo até o fim, é grande esse aqui...

NEGRO. vai lendo, vai lendo, vai lendo... (tosses)

LORD. então vou pular um pouco. o arco íris desfez a aliança contigo, a lua cheia escureceu, as estrelas cessaram de luzir, os tambores emudeceram e até o porto de lenha resolveu se afastar. lembras a cobra grande que morava debaixo da Igreja da Matriz?

NEGRO. tu lembras?

LORD. lembras do bondinho que trilhava arrogante na frente do teatro?

NEGRO. tu lembras?

LORD. lembras das festas juninas no campo General Osório?

NEGRO. e quem é General Osório, quem é que foi isso, cara?

LORD. lembras dos papagaios de papéis que dançavam no céu saudando mais um rio-nal? tu não lembras disso também? Os sanhaçus foram os únicos que nunca esqueceram como é bom viver aqui na cidade riomar...

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