quinta-feira, 21 de julho de 2011

CALDO QUENTE OU O CAPÍTULO DAS TRANSCRILÇOES - IV

________________________________(Segundo encontro. Fevereiro de 97) – Bairro de Petrópolis

O LORD, O NEGRO, O ÍNDIO, E O HIPPIE
(laiálaiá, procurando você... Chico no fundo)

LORD. dá pra cruzar as pernas aí, ó, caralho! olha o aparelhinho, pô...
NEGRO. cara, não vou machucar essa porra aí não, olha Burguês, queria te dizer que desde que tu compraste esse radinho tu ficou muito bosal cara, numa viadagem que vou te contar, saca?
LORD. quem, eu?
NEGRO. sério, cara, ficaste muito fresco quando começastes a documentar fatos, causos...
LORD. é, mais sexta feira tu reclamastes a ausência dele, lembras? aí eu saquei ele da bolsa e você e o Jander ficaram alegrizinhos juntos, lembras...?
NEGRO VIRANDO PARA O ÍNDIO. mas é fato cara, o Jander lá presente tava numa educação sabendo que tava sendo gravado, e bicho, ele cruzou as pernas numa pose ateniense com uma maquete de dragão toda feita de durepoxi e ele todo tempo pianinho cara, como se fosse pousar pra uma foto, e ele expressou toda saudade que ele tinha do Índio, falou do amor pelo qual o conduzia na vida, e disse que ele agora que tá ficando mago... (risadas)
ÍNDIO. mago é? tá ficando agora Castanheda, é?
NEGRO. tá ficando de tal forma que ele agora adivinha quando as nuvens choram. só mentiu quando disse que ia chegar antes de nós dois...
LORD. disse que ia te acordar com uma garrafa de Bacardi que tinha ganho de presente dos gringos, eu lembro...
ÍNDIO. mas isso é muito dele, né cara?
NEGRO. foi o que eu disse pra ele, não adianta, cara, tu marcar nada com a gente porque se a gente marcar as duas tu chega as seis, ou talvez nem apareça porque tu sempre tomas outro caminho...
LORD. agora esse lance aí de mago, de bruxo, sei lá o quê, é sério, o cara virou o profeta do bairro de Novo Israel, todo mundo conhece ele lá como o profeta...
ÍNDIO. conta essa estória aí direito, mermão...
LORD. o cara anda lá pelo Novo Israel, cabeludão, com uma barba de profeta, de sandálias e vestindo aquela camisa florida de cambraia dele que um dia ele tentou empurrar pra mim a trinta reais, é, o papo é sério, o Zeca sabe disso, né Zeca? mas deixa eu te contar a trêta, eu encontrei o Zeca num domingo desses lá pelo Rodway bebendo uns chops e...
ÍNDIO. Rodo, porra! que mania de inglegizar as coisas, Burguês...
LORD. ok ok, Rodo, desculpa, inglegizo tudo, eu sei, mas bom, como ia dizendo, encontrei o Zeca ali bebendo uns chops no Rodo e aí a gente resolveu que ia pegar um barco e atravessar o outro lado do rio pra beber mais cerveja num desses flutuantizinhos e aí então a gente foi, eu e o Zeca, não foi Zeca? e bom, aí fomos, certo, e era um domingo desses de sol ardente, bonitão mesmo, a gente com grana no bolso parecendo uns sultões, ó, pode crer, aí chegando lá saltamos num flutuante no Cacau Pirêra e enchemos a cara, o Zeca como sempre se engraçou de uma velha que estava bêbada e que dançava e mostrava os peitões caidões dela pra gente e aí tu sabes que o Zeca é chegado numa velha, saca, então o Zeca queria arrastar a velha pra uma praia deserta aí então eu disse, “pô cara, porque será que tu gosta tanta de velhas assim?” não foi Zeca? e nem adiantou o lance da velha cuspir a dentadura dela dentro do copo dele e vomitar tudo na mesa, o cara arrastou a velha assim mesmo pra trás do flutuantizinho e meteu ferro na velha, o Zeca ás vezes parece mesmo um animal sem alma cara, e quando eu falo isso pra ele, ele vem com aquela teoria darwinista de seleção natural e sei lá mais o quê, aí então ele voltou de lá friozão, guardando o pau e cheirando o dedo dele, como se nada tivesse acontecido e pedimos mais cervejas e depois resolvemos dar um pulo na praia, e eu não sei o que a gente foi fazer na praia aquela hora, ah, lembrei, a gente foi fumar um baseadão, não foi isso Zeca? é, foi, lembro agora, aí então rodamos a praia toda atrás de um lugar tranquilo e seguro pra fumar aquele baseadão porque ainda haviam pessoas na praia e a porra da guarda costeira rondava por ali, foi aí que avistamos um container imenso e abandonado que servia de abrigo pra mendigos, drogados, pés inchados, e no meio deles, sentado bem no centro, vimos um hippie de cabelos grandes e barbas longas lembrando um daqueles eremitas do deserto, e ele tecia serenamente uns colares indígenas, aí eu disse pro Zeca: “cara aquele lá não é o Jander?” “ é ele mesmo cara”, então passamos pelo amontoados de bêbados todos ali empilhados e fomos até onde ele estava e quando ele nos viu ele sorriu na maior naturalidade e fez sinal pra gente sentar no chão, e aí sentamos e o Zeca começou a enrolar o seu baseadão enquanto o Jander dizia: “e aíii cara, tudo bom com vocês?” e parecia tão natural esse “e aíííí cara tudo bem com vocês?” bem típico dele mesmo, e eu perguntei: “cara o que houve, por que tu veio parar aqui?” quase um ano não tínhamos notícias dele, achei que tinham até matado o cara porque ele tinha essa mania escrota de ficar devendo a “boca”, e ele então nos explicou exatamente o que eu já esperava ouvir: “bronca alta lá na cidade, um ano que não piso em Manaus, vim para esta outra margem e essa gente aí é tudo companheiro...” “e como tu se vira pra comer? estás tão magro.” “ah, me alimento das frutas das árvores, ou me viro com os meus trampos aqui mesmo na vila do Cacau. comida é de menos, os manos aqui são gente boa, tudo aqui é dividido, quando alguém descola uma lata de conserva ou uma garrafa de cachaça, divide com os companheiros porque aqui é tudo dividido, este container é um albergue solidário, que nem aquela onda maluca do Steinbeck que tu leste pra mim, lembras? tô muito bem aqui, quando a poeira sentar, eu volto á Manaus.” perguntei dele: “mas o que rolou lá?” “bronca, bronca alta, velho, com os caras da boca no bairro do Coroado e agora os caras tão na minha cola querendo me matar, por isso tive que me refugiar aqui na praia, já tô aqui acho que uns seis meses morando neste container, quando a poeira baixar eu volto...” fumamos acho que uns quatro ou cinco baseadões e aí então caímos fora porque já começava a ficar escuro e sombrio no container e os bêbados começavam a se agitar querendo beber e a fumar o nosso bagulho também...”

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