sexta-feira, 15 de julho de 2011

CALDO QUENTE OU O CAPÍTULO DAS TRANSCRIÇOES - II

NEGRO. tá aí. levanto tudo isso aí sem essa leviandade burguesa e urbana...
LORD. essa coisa romântica, né?
NEGRO. que porra de romantismo, mermão, quando intitulo meus poemas como poemas marginais (falando agora com o pedreiro) sim senhor, amado, amanhã tu colocas a pedra. cuidado com o neguinho, esse aí é o pretinho. (referindo-se aos cachorros deitado no portão).
LORD. sim. quer dizer que foges desse romantismo todo?
NEGRO. Burguês, sou do signo de capricórnio, sou extremamente averso a, a, receitas, acredito no econômico, no capitalismo, saca, e acredito também em São Francisco, sou devoto de São Francisco, já inclusive desfilei no bairro inteiro vestido de São Francisco pra pagar uma promessa da minha perna quebrada, então eu tô num, num, num, nos dois extremos, cara, quando eu acredito em São Francisco eu nego ao capitalismo e quando eu acredito no capitalismo eu nego a São Francisco, mas eu estou entre os dois, tá ligado? sempre entre os dois...
LORD. soh.
NEGRO. o Archetecto, deixa eu te mostrar o Architecto, por exemplo, cara, ele tá numa paisagem, éééé, concreta...
LORD LENDO O POEMA. compraram um metro de poesia de um poeta social. para cada centímetro de poesia um verso, para cada verso um real. deu 69 reais no final. compraram um litro de poesia de um poeta simbolista. para cada centilitro de poesia uma estrofe, para cada estrofe uma moeda. deu trinta e três moedas de prata no final.
NEGRO. trinta e três moedas de prata!! foi o preço que Judas vendeu o Cristo, tá ligado?
LORD CONTINUANDO. compraram um quilograma de poesia de um poeta concretista. para cada grama de poesia um cheque. deu cheque mate no final.
NEGRO. o primeiro cheque é o cheque em dinheiro, depois o jogo. a brincadeira com a poesia vai pra essa coisa de que as palavras elas tem a mesma, a mesma, éééé, estrutura verbal, vocabular e é escrita em uma outra estrutura, cheque cheque, saca, cheque dinheiro e cheque mate...
LORD FINGINDO ENTENDER. soh. compraram poesia de um poeta marginal. para cada segundo uma dose de aguardente, para cada dose de cana ele recitava Cachaça. deu a maior porrada no final...
NEGRO. cê imagina a poesia marginal que é o meu barato de escrever literário...
LORD. tu assumes mesmo que és um poeta marginal?
NEGRO. claro, sou mesmo um poeta marginal, onde como clássico eu tenho o Chacal, o Leminsky, Pignatari, esses são os meus grandes instrutores éééé, presentes, quando eu bebo do modernismo, quando eu vejo a revolução de 22, quando eu tô, ééééé cimentado em Mário de Andrade, Oswald de Andrade, justamente Manuel Bandeira que é meu gênio irreverente e manso, Manuel Bandeira é o meu olhar cristalino, minha loucapaixão, éééé a minha bela etapa de vida, A MINHA GRANDE TREPADA, É CARA, A MINHA GRANDE TREPADA, é foda. de Manuel Bandeira eu tenho uma afetividade, uma identificação, eu me identifico, eu eu eu.. cê vê no Architecto toda uma irreverência marginal próprio dos modernistas...
LORD. e este chamado, O Canto do Fauno?
NEGRO. cê sabe o que é o Canto do Fauno, não sabe?
LORD. cara...
NEGRO. é uma lenda brasileira que rechaçava, tripudiava, sabe, do, do, lirismo.
LORD declamando. ah, lirismo que não passa, que não envelhece, que não se rebela, que não caduca, como é bom te acompanhar com os olhos do futuro, andas a permear risinhos, soluços, fricotes, lirismo que sem pressa ver as coisas acontecerem, vê os homens se foderem, vê a mata matando a fome do homem e o homem matando a mata, lirismo que com os pés descalços pisa no asfalto e o barro sonha em ser um tapete voador e voar pra bem longe daqui...
NEGRO. volta um pouquinho aí: para não ter que ver as máquinas da ação conjunta, e voar para bem longe daqui. tu pulaste, cara.
LORD. soh. para não ter que ver as máquinas da ação conjunta e voar para bem longe daqui. é, eu pulei de fato.
NEGRO. isso, isso. houve essa mudança porque eu prefiro falar de pouquinho e pouquinho porque o meu desejo inicial era meter bronca, sabe, sem saber quem seria a vitima da minha metralhadora ambulante, sabe, da minha metralhadora ambulante apontada em qualquer direção e agora no Branquinho estou mais sustentável, eu estou mais dizendo as coisas sem ofender, de magoar, do ponto de vista da escrita, porque no caso desse poema, o Canto do Fauno, tá dizendo tudo que eu expresso...
LORD. acho que aqui resume, né...
NEGRO. resume, Burguês, acho que pude te mostrar a importância que o Branquinho tem na minha vida.
LORD. só pra concluir, e este Velha Serpa, cara, tu modificaste alguma coisa?
NEGRO. sim, tem A Velha Serpa, cara, ela sofreu uma mudança significativa pra mim porque era exatamente quando eu me mostrava parceiro na dor, sabe, e quando eu olhava a dor eu via a dor no corpo dos meus amores porque eu nunca imaginei a dor longe de mim, eu sempre imaginei a dor perto de mim e o caso do Velha Serpa foi no dia que o Jander foi preso pela polícia, sacaniado pela policia no festival da canção de Itacoatiara porque ele tava com o baseado na mão na sua barraquinha e era só um baseadinho saca, e tinha lá pessoas poderosíssimas fumando e vendendo drogas poderosíssimas também e pegaram justamente ele e levaram ele pra cela e espancaram ele e aquilo me revoltou porque eu odeio saber que uma pessoa que eu amo é sacaneada por esses idiotas, esses insignificantes que vão ser varridos, banidos da nossa sociedade porque eles representam a força ideológica do poder fardado, sabe, usufruindo dos meus direitos, recebendo o meu pagamento porque sou eu quem os pagava e quem os pago mas que não os pagarei no futuro porque machucam as pessoas que eu amo, e hoje o Velha Serpa está com uma leitura modificada, é... ainda sim eu a decanto em verso e prosa porque foram muitos fecanis nas costas e aquele lugar sempre me recebeu de braços abertos, e eu digo que já cheguei em Itacoatiara sem um centavo no bolso, entrei no restaurante com um cartão de crédito que eu achei jogado na frente do Bradesco e comi a melhor comida, bebi a melhor bebida que o prefeito da cidade comia e bebia e no final quando apresentei o tal cartão o cara disse pra mim, “meu amigo eu não aceito esse cartão”, e fui preso e passei o Fecani de 96 preso e foi a prisão mais gostosa da minha vida porque eu estava de bucho cheio e culminou naquele ano de ser um ano eleitoral e nessa época de eleição os caras espancam menos, e no segundo dia que eu tava preso jogando dominó (tosses) desculpa, ganhando dinheiro na delegacia de madeira que eu podia dar muito bem um chute nela e ela cair e eu fugir se eu fosse um facínora espertalhão mas fiquei lá jogando dominó e declamando poesia pros presos e os caras só me olhavam então é essa a Itacoatiara que eu conheço e a outra que eu conheço é a Itacoatiara que um dia cheguei morto de fome naquele verão de 95 e uma velha simpatizou de mim e me dava pacu toda manhã no meu café da manhã, e quando eu acordava de madrugada ela chupava o meu pau e eu tinha que meter na velha toda madrugada e de manhã depois do café também e este é o preço, saca?

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