quarta-feira, 6 de abril de 2011

JESUÍNO MARABÁ

PARTE I - TENHO UM PASSADO MUITO TRISTE, SEU PAULO.

Ouça bem leitor, a história que vou lhes contar.
Já faz algum tempo que conheci Algemiro e Leonor. Os dois ainda moram em um humilde casebre ás margens de um lugar chamado Rio do Sol, nos confins do Amazonas. Lugar este - costumava dizer - esquecido pelos homens, mas lembrado por Deus. Por Deus? Indaguei-me certo dia após ter ouvido aquela história.
Pois bem. A natureza havia sido generosa em Rio do Sol. A terra muito fértil. O casal sobrevivia da venda da farinha que eles mesmos produziam e abasteciam o meu comércio que ficava na vila, um dia de viagem dali, subindo o rio. Eu, por muito tempo, fui um comerciante próspero desde que finquei meus pés naquelas plagas. Ali montei meu comércio de gêneros alimentícios onde vendia a farinha de boa qualidade que o casal me fornecia. Religiosamente, uma vez por mês, pegava o meu barco e descia o rio para renovar o estoque. Esta rotina fez florescer entre mim e o casal, uma grande amizade. Algemiro, quando o conheci, carregava em seu interior uma tristeza visível. Além de seu jeito calado, introspectivo, podia-se ler nas linhas grossas daquele semblante duro e sofrido, a história de um passado trágico. Houve ocasiões em que o encontrava chorando compulsivamente. Sofrer de solidão como alguns ribeirinhos que eu conhecia tão bem, certamente que não, pois que Leonor, sempre ao seu lado, mostrava-se uma boa companheira e muita atenciosa. De necessidades, era óbvio que não. O dinheiro apurado com a venda da farinha e outros utensílios que eles também vendiam para fora, não lhes permitiam passar privações. A pesca era farta e tinha caça em abundância. Então o que podia atormentar tanto aquele caboco que sempre na defensiva, raramente deixava escapar um sorriso? Em todos aqueles anos de convivência, foram poucas as ocasiões em que ele se mostrava um sujeito alegre e conversador. Chegava até cantarolar algumas modinhas, mas era só. Logo recolhia-se a sua mudez e melancolia habituais. Certo dia quando quando proseávamos bebendo uma cachacinha, Algemiro desabafou:
"Tenho um passado muito triste, seu Paulo."
Fui pego de surpresa. Ajeitei-me num tronco de árvore que de improviso nos servia de banco. A curiosidade era tanta. Há muito eu queria saber o que se passava no âmago daquele homem de feridas profundas.
"Conta, homem! Vamos, coragem!
"Está bem, seu Paulo. Vou contar! Concordou Algemiro abrindo em seguida outra "esquenta peito" que eu havia trazido para bebermos Juntos. Leonor se fazia presente naquele início de tarde. Com um remo, mexia lentamente a farinha que torrava no interior do forno. Começava a chover. Uma chuva fina que teimosamente castigava o telhado de zinco daquele barracão. E a chuva - eu já havia reparado nisso - parecia catapultá-lo a um cenário de grande desgraça no passado.
"Já se vão um bocado de anos, seu Paulo, mas é como se tivesse acontecido um dia desses. Até hoje acordo no meio da noite choirando feito criança, pois ainda posso ver bem na minha frente, o desgraçado jurando me matar..."
Fez uma pausa longa. Tomou uma talagada de cachaça e só então prosseguiu...

Nenhum comentário:

Postar um comentário