quinta-feira, 7 de abril de 2011

JESUÍNO MARABÁ - PARTE II

O INFELIZ AINDA CAMBALEOU ALGUNS METROS SEGURANDO AS PRÓPRIAS TRIPAS

"A gente era uma família feliz, seu Paulo. Eu, meus pais e minha irmã. Ah, tínhamos também um cachorro chamado Soldado, o nosso cão sentinela. Eu tinha quinze anos. Conceição, minha irmã, contava dezesseis. Minha mãe era uma pessoa meiga e muito religiosa. Meu pai, homem trabalhador. Aqui todos o conheciam. Apesar de seu jeito rude, era visto com bons olhos e muito respeito. Nunca que me lembre, deixou que faltasse pra gente alguma coisa. Não tínhamos o que reclamar da vida. Algumas vezes o velho nos dava um corretivo pra colocar as coisas nos eixos. Mas era só. No fundo era um bom homem. Toda desgraça começou a se desenhar quando Conceiçào se desprendeu das rédeas dos meus pais. Adolescente, o senhor já viu. Bonita e viçosa como uma flor, tornou-se a rainha de um "rasga-velha". O senhor sabe, né? Um arrasta pé. O clube funcionava na vila que ficava próximo ao nosso sítio. Foi no dito brega que minha irmã cruzou com o desgraçado. Chamava-se Jesuíno Marabá. Um negro de porte gigantesco, forte como um touro, uma cara amarrada e feia, vindo sabe-se lá de onde. Sangue ruim, diziam alguns. Comentava-se á boca pequena que o cabra trazia na bagagem uma infinidade de mortes. Pra mais de cinquenta, é. É o que se comentava. Contavam muitas histórias a seu respeito. Ai daquele que se metesse a esperto ou valente com ele. Certa vez um sujeito metido a valente o peitou nesse maldito "rasga velha" e Jesuíno fez saltar os olhos do cabra com sua peixeira afiada. Um homem que jurava ter presenciado o fato, contou que ainda viu a vítima se contorcendo de dor no assoalho do bar. Contou também que o irmão do morto, ao tentar tomar suas dores, deixou o lugar com as vísceras pra fora e soltando golfadas de sangue pela boca.
"o infeliz ainda cambaleou alguns metros segurando as próprias tripas e caiu mortinho acolá, no chão, ao lado do irmão." Falou essa testemunha.
"Mas Jesuíno era tudo isso mesmo?" Duvidei.
"Era, seu Paulo. Os homens se cagavam todo. As mulheres o bajulavam. Nos salões de festas, era considerado por todas, um rei. Um pé de valsa de primeira, o desgraçado, e a mulherada o disputava afoitamente. Mas foi por Conceição que o tinhoso foi arreganhar seus dentes e,numa daquelas noitadas, presa em seus braços - que mais pareciam toras de maçaranduba, Conceição dançou a noite inteira. O malandro além de muito esperto, possuía uma grande lábia e minha irmã caiu direitinho na sua conversa. Não tardou pra ela se enrabichar pelo diango. Os comentários se estenderam e chegaram aos ouvidos de meu pai. O velho baixou a cinta em Conceição e a pôs de castigo trancada em casa. Era o pago por sua desobediência. Mas Conceição, enfeitiçada que estava pelo disgranhento, fugia e voltava a se encontrar com ele ás escondidas. Só depois de muitas surras, conselhos, rezas, benzeduras e velas gastas em promessas feitas por minha mãe, a vergonha foi devolvida á Conceição e ela prometeu não ver mais ele. Nunca mais. O cara ficou possesso: "Tu vais ficar comigo nem que eu tenha de dar cabo de toda tua família. Mato um por um e fico contigo." Ameaçou Jesuíno quando sentiu que ele ía mesmo ficar sem ela. No entanto, Conceição estava decidida e aquela ameaça foi a gota d'água. Mas Jesuíno não estava de brincadeira, não. Logo ele que nunca se deixava vencer ou se intimidar por nada, jurou vingança. E foi naquela noite, seu Paulo, que tudo aconteceu..."

Nova pausa. Algemiro tomou outro trago violento da bebida e me olhou.
"Então, homem?" Insisti. Ele passou as mãos pelo rosto, respirou fundo...

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