quinta-feira, 25 de agosto de 2011

CALDO QUENTE OU O CAPÍTULO DAS TRANSCRIÇÕES - PARTE XXIII

(outra pausa. FraNZ queixando-se para as estrelas.)

LORD. sou um idiota, eu sei, mas sou um idiota jovem. tenho a pele clara e quando olho no espelho, eu vejo a imagem de um idiota jovem, não um velho de meia idade, eu então eu canto pra mim mesmo, e quando eu fico doido eu sinto que – minha boca tá muito seca mas não vou arruinar todo este instante mágico na terra com um gole de água, ai, ai, ai, ai, ai, e todo esse papo, eu meio que curto esse carinha e este seu medo de estar ficando velho que é um medo universal, e o meu medo é de não me sentir mais a altura da tarefa e ver minha inteligência se acabar porque eu já não me acho muito inteligente...

(GRAVADOR DISPARANDO SECO)

ÍNDIO. veja bem, eu não sou romancista como você, mas como já disse, me arrisco a escrever um romance chamado A Passarela dos Gatos.
LORD. PASSARELA DOS GATOS? interessante o título...
ÍNDIO. este livro, Burguês, é um livro sobre a corrupção e a psicologia humana. veja bem, não é ficção, é realidade. o mal dos escritores no Brasil é colocar bem assim, “ficção”, debaixo do título, como forma de se eximir da verdade. essa é a questão. eles se livram de qualquer contestação ou responsabilidade, ou melhor, se escondem atrás de uma palavra chamada “ficção” porque não querem responsabilidade com suas verdades.
LORD. achas errado essa postura, então?
ÍNDIO. mas é óbvio, cara! tu mesmo restringe o teu pensamento, tua maneira de pensar. tu tem medo porque no fundo tu és um católico, cristão, e todos vão te censurar, criticar, te achar um chato, como, como, como o, o, o, (Índio estalando os dedos impaciente) o, o , o...
LORD. poeta?
ÍNDIO. não, dramaturgo...
LORD. Brecht?
ÍNDIO. não, não, o dramaturgo grande do Brasil, o, o, o, do cafezinho...
LORD. Nelson Rodrigues?
ÍNDIO. sim, como Nelson Rodrigues fez, né cara. ele certo dia foi vaiado porque ele simplesmente mostrou a realidade com seus palavrões. na estreia de uma de suas peças, ele mesmo afirmou: minha obra de estreia – “perdoas por me traíres” - nunca teve dentro de seus trechos, palavrões, palavrões quem dizem são vocês, condenando as minhas peças, eu não. isso ele dizendo. por isso essa questão, cara: porque se esconder dentro de uma realidade que é sua, cara? dentro de um a realidade que é popular?
(musiquinha no fundo: brilha brilha brilha brilha brilha brilha brilha brilhááá)
LORD. então, este romance que estás escrevendo seria mesmo um, um...
ÍNDIO. A Passarela dos Gatos é um romance. nem comecei, não estou nem na metade, e não sei se terminarei, mas sei que será uma junção de acontecimentos, de fatos, de atos... a psicologia da realidade...
LORD. (coçando a cabeça bastante confuso) e a Carta para Manaus, cara? deixastes de lado?
ÍNDIO. não, não, não, falta, falta a janela primeiro. quando eu fizer a janela, essa janela aí mesmo!
LORD. ela vai te proporcionar o quê, esta janela?
ÍNDIO. eu vou poder abrir bem ali, ó, de madrugada eu vou poder abrir ela, ou melhor, poder abri-la e... poder olhar o horizonte, e só então escrever melhor a, a...
LORD. Carta Para Manaus?
ÍNDIO. Sim, A Carta para Manaus.
LORD. mas tá direcionado ainda, a, a, ao teu repúdio á cidade?
ÍNDIO. sem dúvida nenhuma! procede ainda a minha maneira de pensar essa cidade, nunca me eximi disso e você me conhece. eu, eu, eu particularmente, eu particularmente não suporto Manaus. Manaus éééé, no sentido social, ela éééé, algo assim, desestruturada, é algo assim, algo assim, irracional a ponto de, a ponto de, de sorver todo uma, todo um líquido ou então todo um material inorgânico que ela mesma não, não, não consegue expelir, entendeu? Manaus não consegue... esta cidade escrota, ridícula ela mesma não consegue se desfazer desse seu erro, de toda sua falha... eu não suporto essa cidade! eu vivo nessa cidade por questão... eu não sei se é uma questão de destino ou é por questão pessoal minha mesma, mas esta cidade simplesmente ela, ela, não tem a, a, proporção de definição como ela, ela, como posso dizer? como ela cria...mas não são essas as palavras, você me entende? é como se existisse uma falha geológica dentro da minha cabeça. mas sei que todo esse esquecimento, no fundo, eu sei que não é culpa do fumo, mas da cachaça.
LORD. mas eu acho que entendi, tipo, se você vivesse em outro lugar...
ÍNDIO. não, não, não é questão de outro lugar, Burguês, Manaus poderia até mesmo ser aprazível, poderia ser próspera é que ela, é que ela ééé tão mãe, que acaba sendo filha da mãe com seus filhos.
LORD. (rindo)
ÍNDIO. então é isso, cara...
LORD. mas ainda acho que há muitas lacunas nesta carta...
ÍNDIO. é claro, é claro que sim, por isso eu estou buscando mais coisas porque eu não quero ser superficial, eu quero ser bem profundo, entende?
LORD. e os mineiros, cara? queria que tu falasse dos mineiros. qual era o pensamento dos mineiros, bicho?

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