terça-feira, 9 de agosto de 2011

CALDO QUENTE OU O CAPÍTULO DAS TRANSCRIÇÕES - PARTE XIX

ÍNDIO. quem tem um real aí pra comprar o cheiro verde e a pimenta?
NEGRO. o Burguês, ele sempre tem um real... o Burguês é assim mais eu entendo, daqui a pouco ele vai virar o bolso dele e vai aparecer uma nota de cinquenta.
HIPPIE. ainda mais que ele gosta de beber muito...
NEGRO. viiiixiiii...
LORD. bebo mesmo. lá na minha turma a moçada fica impressionada comigo, fuma e bebe professor? fuma e bebe professor? cara, fumo e bebo meeermo...
NEGRO (retirando um livro da bolsa e oferecendo a esposa do Índio.) olha, é pra filha de vocês.
ÍNDIO. nooosaa. Ana Clara Machado...
NEGRO. Ana Clara Machado, é.
ÍNDIO. pô, ela vai adorar.
NEGRO. lembra Jander que eu fiz o pluft?
HIPPIE. pô até perdi as contas.
NEGRO. Cara fiz tanto o pluft, fiz o pluft e fiz a bruxinha que era boa, e fizzzzz...
LORD. aí uma professora retardada vira pra mim e diz: assim professor, bebendo e fumando desse jeito, o senhor vai mais rápido pro céu.” “ah, não”, eu disse, “não quero ir pro céu, não, eu prefiro ir pro inferno...”
NEGRO. não tá servindo mais aqui vai pro céu, ah, que chato, cara...
LORD. deve ser um saco o céu.
HIPPIE. lembro que foi numa época quando a televisão prestava, é, passava aquele programa, além da imaginação, lembram? cara, aí passou uma vez um episódio baseado no texto do Hemingway, um conto dele, ó, cara, muito louco, muito louco muito louco esse do Hemingway, era um ladrão, a história de um ladrão, ó cara, e o cara assaltava, pá, fazia altos roubos e pá, e um dia ele assaltou um banco e quando ele foi pular o muro o policial, pou, deu um tiro nele e ele caiu do outro lado do muro, morto, né? aí já saiu a alma dele assim do corpo e tal né? aquele efeito preto e branco e tal aí veio um velho barbudão assim todo vestido de branco veio vindo assim na direção dele né, parou e disse: “meu amigo, você morreu!”, “porra, eu morri e tal, é?”, “você morreu e agora vai ter que vir comigo”, “mas pra onde é que você vai me levar?” “pra um lugar legal.” aí o ladrão vai e aí o cara chega assim tipo numa cidade, aí o velho fala pra ele: “ó, isso aí é tudo seu, cê pode fazer o que quiser.” “tudo é meu, tal?” “tudo é seu, você pode pegar as prostitutas, beber, se divertir.” aí o cara, pá, vai pro cassino, joga, bebe, come da melhor comida, se cerca das melhores mulheres, e aí o cara vai ficando entediado, ficando entediado, ficando entediado porque o cara era acostumado a roubar, né? aí ele pega lá uma prostituta e pergunta pra ela: “escuta minha filha, aqui não tem nem um banco pra assaltar, não?” “ih cara”, ela diz pra ele, “não existe isso aqui não, tudo aqui é seu.” e aí ele vai ficando entediado vai ficando entediado vai ficando entediado, até que chega o velho com ele outra vez e ele então reclama: “pô velho, é o seguinte, isso aqui tá muito legal, ganhei muito dinheiro no Cassino, as mulheres estão todas comigo, bebo do melhor whisky, só que pô, eu tô afim de um banco pra roubar, eu quero ação, quero ação.”, aí o velho diz: “rapá, não tem isso aqui não.” aí ele falou: “então eu quero ir pra outro lugar, eu quero ir pra lá, o senhor tá entendendo? quero um pouco de ação, quero ir pra lá, pro inferno, o senhor tá entendendo?” aí o velho diz: “pois o senhor está no inferno, tá entendendo? e o senhor não vai ter como sair daqui não, o senhor tá no inferno!” e acaba o cara saltando um grito desesperador ajoelhando-se aos pés do velho implorando pra ir pro inferno, saca?
LORD. isso é mesmo do Hemingway ou um roteiro maluco da tua cabeça?
HIPPIE. pode crer, é do Hemingway. Ernest Hemingway. o carinha lá dos sinos. o que estourou os próprios miolos.
NEGRO. cara, me fez lembrar a estória do urubu do Veropeso, a mesma parada, o Jander conta melhor essa estória.
HIPPIE: acho melhor tu contar.
NEGRO. ok, ok, parece que é o seguinte, tinha um urubu e ele vivia em um mercado, um mercado municipal lá de Belém, o mercado de Veropeso. assim, né, se tu jogasse pedra assim pra cima o urubu comia, né? ele gostava, vivia no furdunço mesmo, né cara, porra, levava uma vida desgraçada esse urubu, ainda tinha as pedradas que ele sofria dos moleques, mas esse urubu ia sobrevivendo estranhamente bem. aí teve um dia que um primo dele veio lá da bahia... como é o nome daquela baia que fica na frente da cidade de Belém? Bahia de... como é, Burguês, o nome daquela baía...?
LORD. não vou nem arriscar...
NEGRO. porra, cara, tem uma baía, uma baía, uma baía...
LORD. uma baía qualquer, Zeca.
NEGRO. tá, uma baía qualquer onde tudo era fartura né mermão. aí chegou esse primo de lá, um primo muito bem alimentado, todo no linho, apresentável, e, se sensibilizando com a miséria do outro, convidou este parente a passar uns dias lá na baía com ele: “vamo pra baía, primo? lá cê vai passar bem.” “então vamo!”, concordou o outro. chegando lá, no primeiro dia, o visitante começou a dar uns borros, ele foi logo chamando a atenção das urubuas, né cara, ele toda hora querendo ficar com as meninas e tá, no segundo dia muito jaraqui pra ele comer, muito peixe, tudo cara, tudo era dele que nem o ladrão de banco do Hemingway, depois, o primo bateu asa e voou, voltou dias depois e deu com o primo deitadão no tronco de uma árvore, muito estranho: “porra primo, cê não parece bem de saúde, que houve?” “não, aqui é bom, essa baía é boa, as meninas são boas, tá ligado? mas não tá tudo bem não, porque... eu gosto mesmo é do mercadão, gosto mesmo e da putaria, de tá levando pedrada, não tô legal aqui não... e naquele mesmo dia, ele bateu asas e voou, retornando feliz da vida, para o mercadão do Veropeso.” e é nesse sentido que o homem é um urubu universal, olha o Jander, por exemplo, o cara é inconstante, esse lance de tá trabalhando todo todo todo numa xerox ou atrás de um balcão de restaurante ali todo alinhado, todo quietinho não é muito do Jander, não...

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