terça-feira, 2 de agosto de 2011

CALDO QUENTE OU O CAPÍTULO DAS TRANSCRIÇÕES - PARTE VII

(silêncio. a vaca profana do Caetano tocando no fundo)

NEGRO. o Lino comprou uma moto agora também, é?
HIPPIE. uma moto beleza.
NEGRO. mas é uma moto ou uma mobilete?
HIPPIE. uma moto de verdade.
NEGRO. cara, ando pensando tanto numa motinha também, é, serio, inrinnnnnnnn (Negro onomatopeando o barulho da moto) pego ali a estrada do Aleixo e chego no trampo rapidinho.
HIPPIE. um barato mesmo.
NEGRO. porque não aguento mais, saca, esses ônibus compridos, cara, esses caras inventaram uma porra de ônibus comprido e fechado com ar condicionado e aquela porra ali pingando na tua cabeça toda hora, um inferno, saca, vaitefudê!
LORD. (voltando com as cervejas) lá na Panair, cara, fiquei indignado com o que rolou com uma senhora. ela tava com duas sacolas de peixe num ônibus lotado e ela queria saltar por trás porque não tinha condições de ela passar na borboleta de tão lotado que o ônibus estava, mas a cobradora não queria que ela saltasse por trás mesmo ela pagando, e o cheiro de peixe tava empesteando tudo e todos ali reclamando: “abre a porta pra senhora, filha da puta!” e eu engrossei o caldo também: “motora filha da puta, abre a porra dessa porta!”. acho que os peixes tavam eram podres, saca. a pressão foi tão grande que a porta se abriu e a velha cuspiu fora com sacola e tudo, mas ficou um cheiro horrível no ônibus fechado e eu queria poder matar um filho da puta desse que inventou de trazer pra cá essas porras de ônibus fechado e qual é dessa cobradora e desse motora de não deixar a senhora passar?
ÍNDIO. olha aí, ó! (índio mostrando a radiografia do coração)
HIPPIE. quê que é isso, caralho?
ÍNDIO. um coração, porra! exame que eu fiz pra ver se tava tudo bem com meu coração. dia desses tive a impressão que o meu coração ia dar pra trás. (Gargalhadas gerais)
LORD. e tá tudo bem?
ÍNDIO. a médica lá me explicou, “moço é o seguinte: o coração do senhor bate diferente. ele bate quatro por quatro.”
HIPPIE. sem lógica e sem nenhuma razão.
NEGRO. e essas marcas aqui de caneta? é o coração batendo?
NEGRO. é. ela disse que tenho que manter uma certa frequência, que não tá nada normal. aí ela só marcou aí mesmo, mas aí que fiz outros exames. cara, ela amarrou uns fios nas minhas pernas, nos meus pulsos, na minha cabeça, tortura, lógico, aí ligou um aparelho lá, cara...
HIPPIE. eletrocardiograma. mas tu tá bem, cara.
ÍNDIO. obrigado, cara.
HIPPIE. mas por quê tu faz esses exames aí, cara, se tu tá bem?
ÍNDIO. sou hipocondríaco, né cara. essa concepção de viver bem fica só pra motor de fusca 79 bem conservado.
HIPPIE. por quê tu não tomas uma cachacinha?
ÍNDIO. não tomo cachaça, cara, tô de mal com a cachaça. tomei muita cachaça na minha vida. desde os nove, tu saca?
HIPPIE. caraca!
ÍNDIO. do rocha. bebo cachaça desde os nove anos. meu estômago tava ficando um buraco.
HIPPIE. caraca.
ÍNDIO. tou fumando esse cigarro aqui.
HIPPIE. tabacão.
ÍNDIO. esse aqui não tem nicotina nem alcatrão, tabacão mesmo. vejo tudo azul.
LORD. tua filha é linda.
NEGRO. ah, cara, obrigado. Clara herdou a beleza de Clissi.
HIPPIE. linda mesmo, a molequinha.
NEGRO. não te falei que ia ter uma filha linda e livre? mas deixa eu falar agora: eu peguei o ônibus do Campus, aí sentou duas senhoras finíssimas num banco maior na minha frente, e quando elas viram que o ônibus começou a encher elas começaram juntas a cantar, cada uma com fone no ouvido: “começa o dia...”e toma Zezé de Camargo e Luciano nas alturas, no Caaampus...
LORD. eram bem estudantes da prefeitura, né bicho?
NEGRO. provavelmente, Burguês, mas olha só o lance, eu vinha bem atrás ouvindo a marmotagem, mas eu aguentei, aguentei, aguentei, quando chegou ali no Cemitério eu bati no banco delas pela primeira vez, nada, porque quando o ônibus tá em movimento, saca, sai baixo o som, mas quando dá aquela paradinha, é uma merda. na segunda vez já ali na Sefaz eu bati de novo e nada, “Começa o dia...” cada vez mais alto e irritante. na terceira vez dobrando na Bola do Coroado, eu disse: “ei minhas senhoras, por favor, esse ônibus aqui, ele é um ônibus, um ônibus de estudantes, alguns querem ler, eu quero ler, vocês não estão me deixando ler e eu tenho a porra de uma prova hoje”, elas olharam para mim dos pés á cabeça e sabe o que elas me disseram? “tá incomodado? saia do ônibus”. eu fiquei estático, pensando, sabe cara, elas ali olhando pra mim, com ódio de mim, quando o certo seria o contrário, elas me fuzilando com os olhos até eu saltar do ônibus, tudo muito assim, sabe... quem este pretinho pensa que é? sério, cara? tava escrito ali nos olhos delas.
ÍNDIO. já sei, aquele olhar tipo, ah se eu fosse o Hitler...
LORD. porra, quem manda tu ser neguinha...
HIPPIE. aí o negrinho, né, tava andando pela rua e encontrou uma lata escrito tinta branca para a pele, ele então passou a tal tinta na pele e ficou branquinho branquinho. chegando em casa todo contente, o moleque disse pra mãe dele: “manhê, virei branco.” no que a mãe lhe respondeu: “seu filho da puta!” e sentou-lhe um soco em seu rosto. ele então foi até o pai e disse: “paiê, fiquei branco, ó!” no que o pai lhe disse: “seu filho da puta” e também sentou-lhe um soco no garoto. o menino foi até o tio e disse: “tio, fiquei branco, ó!” a mesma coisa, o tio sentou-lhe um soco no garoto e disse: “seu filho da puta!” quando finalmente o infeliz encontrava-se sozinho no quarto, disse a si mesmo: “porra, não faz nem cinco minutos que virei branco e já estou puto de raiva desses negros filhos das putas...” (Gargalhadas gerais)
NEGRO. cara, se eu não te amasse tanto assim... mas é porque ultimamente o cara diz o seguinte, que lá no nordeste deu aquela pirema de... nada de grama, nada de chuva, nada de nada né, e as vacas tudo morrendo e um desses, éééé...como é que chamam, esses...senhores, donos de terras...como é, Burguês?
LORD. latifundiários...
NEGRO. isso, latifundiários, esses caras foram pro Paraguai e em vez deles trazerem muita alimentação de lá pras vacas, eles trouxeram um monte de raibãs verdes e aí as vacas passaram a enxergar tudo verde e passaram a se alimentar do verde...e eu nem sei porque estou contando isso, porque? alguém pode me dizer aqui porque eu estou contando isso?
HIPPIE. tu também tá bem, Zeca.
Negro. mas cês já sacaram quando alguém diz assim: “você tá bem, você tá bonito”, oh glória, que bem não faz né?

Nenhum comentário:

Postar um comentário