quarta-feira, 16 de março de 2011

A PERNA - PARTE I

FOI A PERNA. Ela salvou sua noite.
Eram quase duas daquela madrugada de dezembro, quando M. recebeu aquela cusparada na cara:
_Cara, não gosto dos teus escritos, não!
_Ah, não?
_Não! São vulgares e você força muito a barra.
_Forço muito a barra, é?
_ Além do mais, que contribuição terão?
M. pensou um pouco, e disse:
_Nenhuma. _ 0 cara olhou um instante muito sério para M. e disse: _ A escrita, poeta, é um fluxo livre. _ E fez um gesto nojento com as mãos. Havia uma mulher na mesa deles e ela dava risinhos.
_Fluxo livre... _repetiu M.
_Sim, a escrita é um fluxo livre. _E tornou a repetir o gesto.
_Vai mais uma aí na mesa? _Gritou o garçom.
_Manda lá! _Falou este cara.
Houve então uma pausa e ele tornou outra vez:
_Já até me disseram que és um copioso. Um plagista, saca. Que plageia os outros.
_Plagiador...
A dona dele concordava com a cabecinha. M. olhou pra ela. Era branquinha e delicada. Parecia feita de porcelana. Linda mesmo. Impossível de meter o seu pau ali dentro. Foi servida a cerveja e M. olhou para as muitas garrafinhas sobre a mesa. M. já tinha bebido além da conta. O bastante para começar a odiar deus e o mundo. E aquelas pessoas também. Arredou sua cadeira um pouco pra frente e disparou:
_E você?
_Eu?
_Sim, você.
_Que tem eu?
_Você já deu o seu cu? _O carinha tomou um susto. _Baixaria pô!
_Deu ou não deu o seu cu?
O cara do outro azedou feito vatapá.
_ Não lhe interessa, por que?
_Por que eu já dei o meu cu, você ainda não?
_Problema é seu!
_E a tua mãe? Já comeste a tua mãe?
_Ih, apelou! Vamos embora Paulo Henrique. _ Falou a dona dele levantando-se bruscamente. As pernas da mesa tremeram de rir. Copos e garrafas cuspiram engasgados. Ele havia mordido o traseiro deles. Enfiado o nariz no buraco do cu deles e farejado suas almas nojentas.
_Não aguenta uma critica esse palhaço aí. Desequilibrado. Escritorzinho de merda. Vamo embora Paulo Henrique, paga o que deves e vamo embora!
_Escritorzinho de merda? escritorzinho de merda sim, abençoado pelo grande ventre da merda de deus, enquanto escrevo os anjinhos ficam acariciando os pentelhos do meu saco, aí quando eu gozo me encho deles e peço para eles meterem seus dedos angelicais no meu cu até fazer eu gozar, aí eu gozo nos cachinhos dourados de cada um deles – a porra escorrendo pelas suas carinhas de anjos, limpando seus acnes divinos, precisam ver – mas eu também chupo o pau de deus e ele chupa o meu e quando gozamos juntos, banhamos essa cidade de merda com os nossos espermas sagrados, enquanto isso tu fica aí babando os colhões desse pessoal da cademia, escrevendo esses artigozinhos pro jornal falando de condição humana e sei lá mais o quê, mercenariozinho de merda, a min há literatura tem sangue e cheira fezes sim, e se o que eu escrevo não é literatura, eu tô cagando em cima teu pau!
Conseguiu vomitar tudo aquilo. Bateram em retirada amaldiçoando ele. Teve que pagar a conta sozinho. Vitorioso, M. desceu a avenida Eduardo Ribeiro como um gigante pequeno, rumo ao puteiro. A noite ainda destilava seu veneno. Os hidrantes bombeavam macabrosamente a água que escorria para a boca dos bueiros, saciando a sede dos ratos. A lua era uma porcaria, mas já começava a ficar tesuda. No balcão daquele stripper – em um dos muitos armazéns sujos do velho cais de Manaus, M. pediu uma dose cavalar de conhaque negro.Cerveja aquela altura, vomitaria a própria merda. Foi quando ouviu uma voz:
_Não é assim que se aniquila o inimigo. Tem que pisá-lo bem até esmagar a sua cabeça. E ainda sim, tem-se a ilusão de matá-lo. O homem é uma barata.
Olhou para o lado de onde vinha a voz e havia só uma perna. Uma porcaria de uma perna cabeluda, com um buraco no meio.
_Porra! Só me faltava essa. _ E virou de uma golada só o seu conhaque. (Nunca façam isso!)
_O fígado é a nossa alma!_ A nossa mandíbula por dentro. _Falou a Perna. Ela parecia sozinha e triste. Vinha um cheiro escroto de sua necrose, que ela tratou logo de corrigir: _Não é uma necrose, dessas que aparecem nos encartes de propaganda de cigarro, não. É só um buraco por onde respiro.
_Sim, claro!
_Claro não! Você achou que fosse uma necrose.
_Tudo bem, esquenta não.
Ele não acreditava que estava falando com uma perna. Madonna subiu no palco e fez o seu número rotineiro, escalando o ferro com sua buceta. Parecias trinta anos mais velha e acabada. Os peitões arriados, o cabelo curto e oxigenado. E ainda havia a porra de uma cicatriz cesariana que partia do ventre até o glote. Uma visão dolorosa do inferno. Um funcionário infeliz da Defesa Civil, em seu instante de graça, achou que poderia enfiar a porra da sua língua porca no cu sujo da Madonna, mas acabou levando um ponta pé nas fuças e sua noite acabou ali mesmo. Uma cena engraçada. Até a Perna riu. Depois disse:
_Mulher quando envelhece, é uma porra mesmo! Desaba o céu de sua vaidade. Nem as putas escapam. Paga uma dose por seu velho?
M. começava a gostar da Perna. Pagou-lhe uma dose e apontou com o beiço para uma mesa vazia. Queria ver até onde aquilo iria. Era só uma Perna. Fruto quem sabe, de sua imaginação embriagadamente perversa. Ela flexionou só um pouquinho o joelho e se encaixou direitinho na borda da mesa e ficou lá se balançando. Era impressionante. M. pensou em puxar seu bloquinho de notas e começar a escrever sobre aquilo quando a Perna o interrompeu:
_Agora me dá um pouco disso aí, tive um dia péssimo.
_Como faço?
_Derrama um pouco aqui no buraco.
M. fez o que ela mandou e a Perna onomatopeou um regozijo quase infinito. Inclinada para trás, junto ao ferro, Madonna seguia com seu show. Mostrava agora sua imensa xoxota encarquilhada querendo engolir o mundo.

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