segunda-feira, 15 de março de 2010

PITOCO - PARTE I


Domingo. A tarde quente arrasta-se claudicante pelas artérias do bairro sujo. Alguém da janela amola os facões e canta as pedras do jogo: Destino de homem é como faca de duas pontas, uma que amacia e a outra que corta.Dia seco. Calor dos infernos. Ranho pastoso escorrendo das narinas do sol. Até Deus faz careta. Lava o rosto e as mãos. O rosto e as mãos.
Pitoco é trastezinho de gente. É quem primeiro ver as manduquinhas chegarem devagar, descendo a Rio Alto. Vem em número de cinco. Conta direitinho nos dedos. Quem ensinou ele a contar foki o Chocolate. Cara legal o Chocolate. Só não entendia bem era porque que ali no bairro ninguém gostava do Chocolate. Só porque era ladrão? E quem não é ladrão ali? Chocolate mesmo não vivia lhe dizendo que ladrão de verdade era o tal de Sucuri, que montou comércio explorando gente? E ladrão que rouba ladrão tem mil amnos de perdão. Quem falou foi o Chocolate. Por isso os pészinhos lépidos e descalços fazendo PLEC PLEC PLEC sobre o asfalto escaldante; vai avisar o amigo do perigo iminente. As casinhas emadeiradas e tristes a vigiar-lhe cismadas as passadas ligeiras. Parecem até que adivinham.
Procura nos becos, vielas, bares e bocas. Conhece de cabo a rabo a quebrada onde vive. Nasceu do bairro mole amigado com o asfalto duro. Cresceu livre nas ruas, no meio da malandragem. De estatura baixa, a pele escura, corpo franzino. O alcunho de Pitoco lhe sentou direitinho. Ligava pra isso não. Fazia aviõezinhos pra moçada e com isso descolava alguns trocados.Assim, ia levando Pitoco a vida.
Ao longe, avista baculejo no bar do Sucuri. A galera do Ratão, todos duros de encontro à parede:
"Onde mora o Chocolate?"
"Ninguém sabe aqui não, chefia."
Bordoadas nas costas da marginália.
"Doutor, - intervém o dono do boteco - a molecada aí não sabe de nada mesmo, não."
"Acobertando, velho?"
"Tô não, doutor! Também não gosto do sujeito. Prejuízo do cão."
Abre um guaranazinho e serve aos homens da lei. O sol vem de cima cozinhando moleira de gente. Se avizinha mais, Sucuri. Boca larga. De maneira que diz: "Só tem uma pessoa aqui que sabe o paradeiro do tal sujeito."
"Quem?"
"Pitoco!Conhece cada buraco desses."
"Pitoco? Pitoco é o nome do meu cachorro, porra!" Ri mais que os outros, o cabo que bate. Limpa o suor da testa. Nos fundos - antes que a morte chegue - um ancião pede outra dose. Olha sem norte. De asas abertas, dois urubus secando ao sol.
"E quede o moleque?"
"Olhe ele ali passando!" Aponta com beiço Sucuri.

continua...

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