quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

TETÉIA MIGNON


Os olhos injetados de Carlos Mário são dois coágulos de pus e sangue filtrando as fezes da vida na cidade.
Tetéia Mignon vem subindo devagar a pequena Lapa. Carlos Mário chama aquilo ali de pequena Lapa. Já Tetéia Mignon chama aquilo lá de Reto. Tetéia Mignon sim, já esteve na Lapa. Ele não. Nunca saiu do Reto. Ganho de merda. Fodido ele é. Ela sonha agora em ir para Itália antes de completar quarenta e um e secar para sempre os silicones espalhados pelo corpo todo, ou então que Deus o livre, pegar a porra de uma AIDS e aí se foder de vez. Ela ainda sonha. Carlos Mário não. Não sonha mais com porra nenhuma. Tornou-se um vegetal duro e frio. Fincou raiz na cidade morta.
Vem subindo mesmo sem muita pressa Tetéia Mignon. Gazela-transgênica-abatida. Só quando toma bomba, é que seu peso e altura dobram. O dobro de altura de Carlos Mário. Ambos tem a mesma idade. Conheceram-se ali mesmo naquele Reto sujo ou naquele pedacinho de Lapa, como queiram. Uma noite dessas, a boca espocada de porrada. Foi no Hotel Central, bem de esquina. O braçal Aquino descobriu que ela tinha um pau e não a porra de um buraco no meio das pernas e esmurrou-lhe a boca até quebrar-lhe todos os dentes. Não foi por pena ou solidariedade humana que naquele dia Carlos Mário pagou-lhe uma cerveja e deu-lhe cigarros (Sim, e um lenço para estancar a sangria do nariz e da boca, já ia até me esquecendo.)É que havia cansado das putas. E aquele olho vazado de Tetéia Mignon - coberto por um tapa olho escuro - o assustava e o seduzia.
"Foi um mergulhão que me roubou este olho." Disse ela uma vez. Mas Parazinha desmente. Diz que foi briga de facas entre veados na Currutela das Trompas. Parazinha nem com nojo se compara a Tetéia Mignon. Veado podre e feio. Anda sumida do Reto desde a operação que fez.
"Silicone vagabundo e mal aplicado quando desce, aí tem que amputar o caralho do pinto. Bem feito! Língua grande!" Disse uma vez Tetéia Mignon sem remorsos.
"Posso sentar e tomar essa cerveja contigo?"
"Tranquilo."
Senta-se cruzando as pernas. Abana-se com o leque.
"Caralho de lugar! Bando de veados lisos! Vou dá o fora dessa merda. Pegá o beco. Capá o gato. Aqui ó, não me crio não. Nem fodendo!!
Acende um cigarro. Traga e tosse. Trinta e duas vezes.
"Peguei essa tosse escrota aqui nessa merda de cidade. Se eu tiver que morrer de alguma doença escrota, maninho, vai ser em outro lugar, nã nessa miséria." Carlos Mário mira seus olhos na direção de suas coxas, subindo só um pouquinho pra bunda, agora o corpo todo. Linda mesmo, Tetéia Mignon. Quando toma bomba, fica ainda mais gostosa essa boneca; jura que põe qualquer putinha ali do baixo no chinelo. Mas ele hoje está pouco a fim. Ela ainda arrisca:
"Vamos dá uma, bebê? Quando transamos, eu vou ao ceu."
"Hoje não."
"Por que não?"
"Sem tesão."
"Sem tesão?"
"É que soquei umas duas antes de sair de casa."
"Chupo bem chupado esse caralho, quero ver se ele não levanta."
"Não, hoje não."
Os olhos de Carlos Mário miram agora o vazio das ruas. Dali não dá pra ver por causa dos prédios hemorrágicos e dos enormes caixotes empilhados da HAMBURG & SUD, mas o rio subindo daquele jeito chegará ao mesmo nível da angústia humana.
Tetéia se aporrinha de vez:
"Então me dá outro cigarro aí, vai caralho!!

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