quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O DESENTUPIDOR DE FOSSAS

PARTE I - RAIMUNDO PERFUMADO FOI LÁ PRA TRÁS, BEM LÁ PRA TRÁS, na ocasião dos meus onze anos de idade, quando pela primeira vez fiquei frente a frente com Raimundo Perfumado. Ele lá sentado na varanda de casa. Sua silhueta desfocada projetada do outro lado do vidro da porta de correr. “Vem cá com o teu primo, garoto!” Gritava de lá com a voz grossa e arrastada de quem havia bebido todas as garrafas do mundo. Sete e pouco da manhã. Lembro-me bem. Sempre quando ele ia lá em casa, eu me escondia debaixo da máquina de costura de minha mãe. Eu ainda não sabia de sua profissão profunda, mas já sentia de longe, o fedor de merda seca misturada com aguardente que emanavam daquela sua pele de lagarto. “Vem cá, garoto!” Gritava ele. Naquele dia não deu pra fugir dele, não. Havia minha mãe que ralhava comigo enquanto fritava seus bolinhos de chuva no meio do verão de Manaus. “Vai lá ver o que ele quer Mário Augusto. Ele é teu primo, cuida!” Fui ao encontro dele me borrando de medo. Seu fedor escroto de merda. A cabeça troncha como o do Homem Elefante. Ah, assombrava-me a existência daquele homem. II – A VIDA DA GENTE É UMA MERDA BOIANDO. “CHEGA MAIS PERTO, GAROTO!” Aproximei-me dele bem devagar. Ele sorria de lá mostrando seus dentes estilhaçados. A camisa sobre um dos ombros. Uma garrafa de Chora Rita ao pé da cadeira de embalar, de meu finado pai. Ele então tomou uma golada consistente daquele veneno. Eu fiquei olhando pra ele tentando manter a calma. O pêndulo do relógio da parede, incansável, me provocava ir á escola. Aí ele me perguntou: “Sabe por que a cobra devora o jacaré, garoto? Han?” Fiz que não sabia, olhando envergonhado para o chão. “Por que o jacaré é um covarde e a cobra sente muita fome. Agora da cá um abraço no primo, seu merdinha!” E me abraçou contra minha vontade. Abraçou bem forte. Contou outras histórias. Fui me acostumando encostado a sua pele. Seu odor de merda seca me impregnando o corpo e a casa toda. O curioso é que quando somos crianças, as nossas almas são puras e francas, de modo que perguntei: “Por que você fede tanto a cocô?” Demorou a responder, passando a mão na barba. Os pelos compridos e afiados escapando de seu nariz grosseiro. Deu outra golada considerada na maldita, e finalmente me respondeu: “Por que a vida da gente é uma merda boiando, garoto.” Foi o que ele disse. Naquele momento, não compreendi muito bem. Só mais tarde é que viria entender. Minha mãe já se aproximava com um café bem quente e com seus bolinhos de chuva também... segue próximo capítulo

2 comentários:

  1. Márcio, onde posso comprar "O homem com abertura na testa"?

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  2. Prezado Aldo, eu não tenho mais nenhuma edição do livro, mas pretendo reeditar no Coleção de Rua. Será em breve.
    Um abraço!

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